31/07/2019

Em pauta: Existe Bullying no Ensino Superior?










Acredito que tenha começado no 2° período da faculdade, quando a turma já tinha se "acostumado" uns com os outros e já poderiam deixar de seguir a máscara social e mostrar quem realmente é. De início foram ataques aos professores, xingamentos, calúnia, difamação, entre outros. Me senti deslocada e não queria estar naquele meio, achava injusto tratar uma pessoa que te ensina dessa forma tão desrespeitosa. Quando decidi me afastar, eu virei alvo. Mas foi tudo aos poucos, até virar uma prática corriqueira. Uma provocação aqui, ali, no grupo da sala no whatsapp, na frente da sala inteira. A dimensão foi aumentando cada vez mais [...].



Costumamos acreditar que o bullying é coisa de criança, devido à falta de maturidade ou, até mesmo, que não passa de brincadeira. Por isso, ignoramos que esta realidade tão próxima também do mundo acadêmico. Com isso, o lugar que deveria ser para aquisição do conhecimento através de ideias divergentes e superação de diferenças, pode tornar-se um cenário de violência, muitas vezes velada e silenciosa.
Além da distorção dos valores éticos e sociais que ocorre no ambiente familiar, a mídia cria um determinado padrão de beleza que reflete nos casos de bullying, visto que as vítimas, geralmente, são pessoas fora de tais padrões, seja pelas características físicas, comportamentais ou emocionais. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying.
Eu me sentia incomodada, fingia que não era comigo. Os professores percebiam que havia algo de errado mas não sabiam o que ocorria exatamente. O convívio na sala era assim, tenso. Piorou muito quando fizeram uma difamação grande sobre a minha pessoa, alegando um ato no qual eu não cometi. Foi bem sério. Eu fiquei muito nervosa mas não sabia o que fazer direito.

Por definição, o bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outros, causando dor, angústia e sofrimento. De acordo com a médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, o bullying é um ato de violência, física, moral, psicológica ou sexual, que ocorre de modo intencional e repetitivo, sem justificativa, podendo ser, inclusive, virtual (cyberbullying), de modo em que os alvos das hostilidades não conseguem sequer se defender.
Ainda, a médica psiquiatra afirma que as consequências do bullying no ensino superior são variadas, dependendo do indivíduo, de sua estrutura, vivencia, pré-disposição genética e até mesmo o tipo de agressão praticada, atingindo não apenas a vítima, mas também sua família e os espectadores. Mas, de modo genérico, não se diferem das consequências do bullying em outros níveis de educação: o medo de voltar às aulas, a sensação de vulnerabilidade e insegurança no local, desinteresse pelos estudos, problemas psíquicos e comportamentais, por exemplo.
Enquanto algumas vítimas conseguem lidar com os problemas advindos do bullying – como Geisy Arruda, que em 2009 foi hostilizada por mais de 600 alunos da faculdade em que estudava e fez da situação um impulso para se tornar amplamente conhecida – muitas outras não conseguem converter a agressão em algo positivo, adoecendo. Em casos extremos, há exemplos daqueles que retornaram às universidades e/ou escolas para se vingar dos agressores. Um caso emblemático é o do estudante do último período de Letras, da Universidade de Virgínia Tech, nos Estados Unidos em 2007, o qual adentrou a universidade com arma de fogo, matando 32 pessoas e ferindo outras 29, entre alunos e professores. Este não é um evento isolado, demonstrando que ainda persiste a falta de políticas e ações sobre esse fenômeno no ensino superior.
Fui na ouvidoria e contei o ocorrido, me foi instruído mandar um e-mail contando tudo bem detalhado, e indicar testemunhas que pudessem relatar os fatos. Eu escrevi o e-mail mas não mandei. Denunciar é uma exposição grande, maior da que eu passei anteriormente. Meu receio era denunciar e não acontecer nada, porque eu tenho certeza que as provocações piorariam. Já teve um momento em que uma pessoa desse grupo me seguiu na faculdade, eu percebi e mudei de caminho, ela continuou me seguindo. Tive que mudar a trajetória que eu faço pra chegar até minha sala, faço um caminho mais "escondido" pra não encontrar ninguém. Se eu encontro, eles riem bem alto de mim. Eu sei que eles não tem motivos pra rir, mas sei que é injusto e eu não merecia passar por isso.
De acordo com um artigo da Universidade Federal do Ceará, uma das principais consequências dessa violência é o bloqueio da produção intelectual dos acadêmicos, fazendo com que, indiretamente, toda a sociedade sofra as consequências, visto que interfere na forma em que os profissionais atuarão na comunidade. Entretanto, o bullying continua sendo ignorado em boa parte das faculdades – sendo considerado uma coisa de criança.
                    Quando no ensino superior, o bullying se apresenta de uma forma menos infantil, de forma mais sutil, mas não menos violenta, podendo ocorrer, inclusive, por parte de um professor. Na USP, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto desenvolveu uma escala a fim de verificar a incidência de violência interpessoal no ensino superior, baseando-se em um estudo no qual 187 alunos e 32 professores relataram situações de bullying e seus efeitos no ensino e na aprendizagem. O estudo se baseou em uma lista de 56 situações que podem ser apontadas como discriminação social, por características pessoais e desempenho acadêmico, bem como indicou a frequência de cada episódio. Como conclusão, o levantamento demonstrou que docentes e discentes reconhecem a presença do fenômeno como algo cotidiano, seja em relações entre os próprios alunos (em especial calouros x veteranos) como em relações entre alunos e professores.
          Independentemente de quem for o(s) agressor(res), há de se notar a responsabilidade civil (arts. 186, 187 e 927, CC) e penal do agente. Todavia, nenhuma indenização é capaz de restituir o dano psicológico sofrido, haja vista que, muitas vezes, as ofensas, humilhações e injurias fazem com que a vítima se aprisione em uma imagem de si, moldada e absorvida pela força da palavra destrutiva de outrem, paralisando suas ações e fazendo a superação parecer algo distante.

Essas pessoas são inteligentes, elas nunca vão dar um prato cheio pra você denunciar. É sempre de pouco em pouco e quando são confrontadas dizem que você interpretou errado. No fundo, a sala inteira percebeu o que acontecia, mas o medo tomou conta. Ninguém queria denunciar. Eu só queria que eles me esquecessem e que fossem punidos pelas atitudes que fizeram. Isso não é mais escola, não é hora de aprender certo e errado. O caráter já foi formado e cada um é responsável pelo que faz.

          De todo modo, é sempre importante conversar com alguém, levar a situação aos responsáveis – seja à ouvidoria da instituição ou à delegacia – para que se possa cessar a ação de forma segura e punir os agressores de acordo com a lei.

NOTAS:

1.    A ouvidoria do UNICURITIBA está sempre de portas abertas para resolver tais situações da melhor forma possível, através de uma equipe multidisciplinar.
2.    Os relatos constantes nesta matéria foram extraídos de conversas com acadêmicos do ensino superior, não necessariamente vinculados ao UNICURITIBA. Os nomes não foram divulgados para preservar a segurança e integridade das vítimas.
3.    Ao se deparar com alguma situação discriminatória e/ou violenta, não se cale, denuncie!

REFERÊNCIAS:
BERNARDES, Júlio. ; Escala verifica diferentes situações de “bullying” no ensino superior. 16 abr. 2018. Disponível em: <https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/escala-verifica-diferentes-situacoes-de-bullying-no-ensino-superior/>.
OLIVEIRA, Vera Lúcia Ruela de; LIMA, Teófilo Lourenço de. O Bullying no Ensino Superior. abr. 2018. Disponível em: <https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-escolar/o-bullying-no-ensino-superior>.
NASCIMENTO, Tânia Lúcia Nunes do. Bullying: a realidade dolorida de um fenômeno sem distinção de gêneros. Revista Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 92, p. 89-98, jul./dez. 2014.
PARLATO FONSECA VAZ, Jose Eduardo. A responsabilidade indenizatória da prática do bullying. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 78, jul 2010. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8104>. Acesso em jun 2019.

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