Maria da Glória Colucci[1]
Se os fundamentos positivistas
que inspiram o lema da bandeira brasileira fossem respeitados, o nosso País
estaria sob o império da “Ordem e do Progresso”. No entanto, desmandos de toda
natureza dominam o cenário nacional, que inviabilizam o tão sonhado
desenvolvimento humano e social e a estabilidade das instituições.
As expectativas frustradas de
crescimento econômico se tornaram cada vez mais e mais distantes, de modo que
quando o véu das trapaças foi tirado, após a apuração das urnas, a triste
realidade do País se tornou clara, e tão evidente os enganos praticados, que
uma onda de pessimismo assolou os cidadãos, eleitores ou não dos escolhidos.
Sem maquiagem, sem os retoques costumeiros feitos pelos malabaristas dos
palanques políticos, sem o verniz das ideologias populistas, a face nacional
dos desmandos veio à luz.
Os candidatos ligados ao grupo
dominante, embora não todos, calaram-se, firmando um acordo tácito, de nada
dizerem sobre as contas públicas e os “rombos” existentes nos orçamentos de
estatais e outras empresas ligadas às atividades econômicas do País, que
estariam de algum modo vinculados aos interesses de grupos fortemente dominados
pela corrupção.
As subterrâneas práticas de
“arranjos e conchavos” de “jeitinhos” e “acomodações”, quando se tornaram
conhecidas do cidadão de bem, cumpridor dos seus deveres, onerado pelos
excessivos impostos, derramaram um mar de lama sobre a sociedade brasileira,
estarrecida e envergonhada, diante da comunidade internacional.
Nos moldes dos discursos
inflamados, com base em conhecida verve dos candidatos, procurou-se minimizar
as falácias e trapaças, conclamando-se “todos” os cidadãos a arcarem com os
pesados ônus dos “ajustes”, a começar pelo fiscal, prosseguindo com o
financeiro e “outros” já esperados.
Uma rápida análise das condições
da saúde, educação e empregabilidade, é suficiente para demonstrar a “confusão”
reinante em nossa “pátria amada”.
A começar pela desordem econômica
e financeira, a inflação está corroendo os recursos públicos e particulares
aceleradamente. Todos os dias, os
cidadãos se debatem em dívidas que se avolumam, em razão da elevação dos juros
e dos altos custos dos bens de consumo. Os preços inflacionados tornam a
recessão econômica um fantasma assustador, o que se observa em uma simples ida
ao supermercado. As famílias estão reduzindo o seu consumo, desde os produtos e
serviços mais triviais, até aos bens duráveis, a exemplo de automóveis,
eletrodomésticos e imóveis em geral, que ficam em um limbo inacessível ao
trabalhador da classe média: o que se dirá, então, dos lares mais humildes?
O fluxo monetário se acelerou de
tal maneira, que a velocidade de circulação da moeda se verifica com clareza,
como se costuma dizer – “o dinheiro foge das mãos”. Muitas causas podem ser
apontadas, mas o aumento do dólar, a evasão de divisas, as contas no exterior
(sem observar as regras existentes), dentre outras práticas, estão “sangrando”
os recursos do País. Grandes empresas, a exemplo da Petrobras, foram utilizadas
como “vertedouros” de verbas públicas, tornando-se vergonha nacional,
desanimando e humilhando os cidadãos brasileiros, que esperam um mínimo de
decência dos governantes.
Tramoias, trapaças e seguidas
trapalhadas aprofundam mais e mais o fosso existente entre os que governam e
seus estarrecidos eleitores, que jamais esperavam que tais fatos ocorressem.
Quanto à saúde pública a confusão
é generalizada, visto que o acesso a este direito (art. 196 da Constituição),
não só se torna cada vez mais distante, mas, também, sucateada, embora o
esforço dos trabalhadores na área da saúde se redobre, diante das precárias
condições de salubridade (infecções hospitalares), de segurança (agressões dos
irritados usuários) e remuneração (baixos salários – sem perspectivas de
melhorias e crescimento profissional).[2]
No tocante à educação, face ao
disposto no art. 205 da Constituição, o cidadão, ainda que motivado pelo desejo
de crescimento profissional, não consegue receber uma formação adequada, devido
ao sucateamento das instituições públicas de ensino superior. No ensino médio,
igualmente, a carência de vagas ou de profissionais habilitados, também,
representa grave ofensa ao direito à educação do cidadão, sobretudo, crianças,
adolescentes e jovens.[3]
Quando os professores reagem, são
rechaçados pelos governantes em seus pleitos de justos e melhores salários.
Mesmo espancados, pisoteados e expostos ao espanto da sociedade, os mestres
continuam a defender a educação de qualidade como única porta aberta ao
desenvolvimento humano e social de nosso extenso País.
Indaga-se: Até quando este
descalabro continuará?
Ainda que pareça impossível aos
olhos descrentes da sociedade brasileira, há na Constituição de 1988 a resposta
para o caos que se estabeleceu no País. Trata-se do seu art. 1º, quando dispõe
sobre os fundamentos do Estado Democrático de Direito e consagra o “pluralismo
político” como princípio fundamental. O “pluralismo político” propicia a
liberdade de expressão de todos os segmentos sociais, suas necessidades e
expectativas políticas, em uma sociedade “livre, justa e solidária” (art. 3º, I
da vigente Constituição).[4]
Os desmandos políticos decorrem
do fato de apenas um grupo político, seja qual for, dominar os interesses de
todos, desviando-se da condução do “bem comum”, para focarem-se no “bem do
partido”.
Neste cenário de grande confusão,
desrespeita-se o lema da bandeira nacional – Ordem e Progresso – e substitui-se
por desordem, atraso, deseducação e pobreza.
[1]
Advogada. Mestre em Direito Público
pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular
de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário
Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora
do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA,
desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade
Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos
Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
[2]
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Promulgada em 5 de outubro de
1988, disponível em www.planalto.gov.br
[3]
Idem.
[4]
Ibidem.
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