O estudo do Direito de Família sempre se desenvolveu nas clássicas dimensões do direito matrimonial e convivencial, do direito parental e do direito assistencial ou protetiva, compondo os títulos I a IV, do Livro IV, da Parte Especial do Código Civil em vigor. A par do texto codificado, uma torrencial legislação extravagante atualizadora e dinamizadora desse ramo do Direito, na compreensão da evolução pessoal e social do Homem.
Agora e outra vez, uma nova lei – com vigência desde o dia 3 de janeiro do corrente ano – promove significativas alterações no Código Civil de 2002 e nele introduz inovador capítulo no derradeiro título do Livro de Família, acrescentando após os institutos da Tutela (Cap. I) e da Curatela (Cap. II) o Da Tomada de Decisão Apoiada (Cap. III). Trata-se da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, publicada oficialmente no dia imediato, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Pessoa com deficiência, define a lei, é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Seu artigo 115 altera a denominação do atual Título IV, do Livro da Família, que passa a viger sob a rubrica “Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada” e seu artigo 116 introduz capítulo inédito, que contempla novo instituto, o “Da Tomada de Decisão Apoiada”.
Inaugurando esse novo capítulo, o artigo 1.783-A conceitua o modelo: “A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.” Seu paradigma mais próximo é o artigo 43 do Novo Código Civil e Comercial argentino, que assim conceitua o novel instituto, em tradução livre do Autor: “Entende-se por apoio qualquer medida de caráter judicial ou extrajudicial que facilite à pessoa que o necessite a tomada de decisões para dirigir sua pessoa, administrar seus bens e celebrar atos jurídicos em geral.” Sua função precípua é promover a autonomia, facilitar a comunicação, a compreensão e a manifestação da vontade da pessoa com deficiência para exercer seus direitos.
Anote-se desde logo que a Tomada de Decisão Apoiada afasta a designação de curador. E por isso distingue-se dos demais institutos protetivos da pessoa, seja por sua pouca idade (tutela) ou por decreto de sua interdição (curatela), pois objetiva não a proteção da pessoa, mas a promoção de todos os seus direitos como pessoa. Diferentemente, então, da tutela e da curatela, a prestação de apoio tem por fim promover o exercício pessoal da capacidade jurídica pelo próprio afetado. Na Tomada de Decisão Apoiada a pessoa conserva sua capacidade de fato sem limitações ou impedimentos, autodeterminando-se. Portanto, a Tomada de Decisão Apoiada não é forma de interdição, pois preserva a vontade da pessoa, agindo os apoiadores complementarmente ao exercício da capacidade da pessoa. Ombreando com Nelson Rosenvald, “o apoio é uma medida de natureza ortopédica, jamais amputativa de direitos.” ²
Também não se confunde nem se substitui – como se poderia imaginar - pela figura do mandato para alcançar os mesmos objetivos, pois o mandatário não age em conjunto com o mandante, mas em nome dele. Na Tomada de Decisão Apoiada o beneficiário não corre o risco da inexecução do mandato ou de sua má execução, pois os apoiadores sofrem rigorosa e severa fiscalização do Juiz e do Ministério Público.
Ademais, o mandato cessa com a morte ou a interdição do mandante, ato judicial de proibição, vedação ou privação para execução de certos atos, manifestamente incompatível com a figura da Tomada de Decisão Apoiada.
A disciplinação legal do instituto, extremada nos onze parágrafos do novo artigo 1.783-A, do Código Civil, insere os apoiadores (com o mister de proteção) na realização das concretas e efetivas necessidades e interesses do beneficiário, nos limites do termo de apoio formulado em juízo (§ 1º). Para os demais atos aí não incluídos, não necessitará do auxílio dos apoiadores. Nessa linha inclusiva da lei, a preservação da capacidade do beneficiário vem contemplada expressamente no artigo 6º da Lei: “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, reconhecendo-lhe igualdade perante a lei: “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.” Desse modo, em não havendo reservas no termo de apoio formulado em juízo (§§ 1º e 4º), o beneficiário do modelo pode livremente testar, pois imune à interdição, conservando assim sua capacidade plena de se expressar e fazer-se compreender. A situação (Tomada de Decisão Apoiada) valida o ato de disposição de última vontade, não discriminando o beneficiário da proibição do artigo 1.860 do Código Civil. Não mais sendo considerada a pessoa com deficiência absolutamente incapaz, pela revogação dos incisos do art. 3º do Código Civil em vigor, mantendo como tal apenas os menores de 16 anos, é forçoso concluir que inexiste no direito brasileiro maior incapaz. Na mesma toada, deixaram de ser relativamente incapazes “os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido” (art. 4º, EPD). Em resumo: o portador de transtorno mental, que sempre foi considerado incapaz, com a nova lei passa a ser plenamente capaz. Essa é a regra. Sendo assim, ostenta plena capacidade ativa para testar.
Vencida a questão da capacidade testamentária ativa do beneficiário da nova figura, outra se apresenta para o debate: a da incapacidade para receber herança ou legado (CC/2002, art. 1.801, incs. I a IV) das pessoas eleitas pela pessoa com deficiência, os apoiadores, incluídas na proibição legal, enquanto fornecem elementos e informações necessários para que o beneficiário da medida possa realizar ato da vida civil? A resposta parece ser afirmativa em se considerando que a pessoa com
deficiência exerce seus direitos em igualdade de condições com as demais pessoas (no plano inclusivo da lei). A símile, tornam-se os apoiadores incapazes de receber herança ou legado, não porque escreveram a rogo o testamento da pessoa que devem apoiar, ou lhe serviram de testemunhas, mas em vista da situação especial que ocupam relativamente à pessoa do testador. Independentemente ou não de previsão no termo apresentado ao pronunciamento sobre o pedido de Tomada de Decisão Apoiada.
A plena e efetiva igualdade no exercício da capacidade jurídica da pessoa com deficiência com as demais pessoas, assegurada pela nova lei, além das questões acima propostas, outras ainda ensejarão inúmeros debates na doutrina e na jurisprudência para demonstrar sua efetividade, indispensáveis ao reconhecimento desse novo modelo social, especialmente no plano da teoria das incapacidades. Só o tempo se encarregará disso.
WALDYR GRISARD FILHO¹
¹ Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Professor
Titular de Direito Civil na Faculdade de Direito do UNICURITIBA. Membro Efetivo do Instituto dos
Advogados do Paraná. Sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM – e
Presidente de sua Comissão de Ensino Jurídico de Família. Advogado e Consultor em Curitiba.
² ROSENVALD, Nelson. A Tomada de Decisão Apoiada – Primeiras Linhas Sobre um Novo Modelo Jurídico Promocional da Pessoa com Deficiência. In: Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, vol. 10 – jul/ago. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 11-19.
01/03/2016
A Tomada de Decisão Apoiada e o Direito Sucessório
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