Novo CPC e o pedido de indenização: fim da “indústria do dano moral”?
Luiz Dellore
Fonte: http://genjuridico.com.br/2016/04/04/novo-cpc-e-o-pedido-de-indenizacao-fim-da-industria-do-dano-moral/
Em algumas colunas, temos tratado da nova forma de litigar que virá com o Novo Código. Como exemplos, (i) o trabalho de Fernando Gajardoni, o qual trouxe o alerta quanto à possibilidade de se configurar como litigância de má-fé a formulação de pedidos contra precedentes [1] e (ii) o texto de Marcelo Machado apontando que, somente no caso de uma petição bem fundamentada [2], surgirá o dever de o magistrado fundamentar a decisão de forma analítica.
Nessa mesma linha, trago aqui uma reflexão a respeito da conduta a se esperar dos autores, em demandas nas quais se pleiteia dano moral – não só, mas especialmente quando se tem pessoa física no polo ativo e pessoa jurídica no polo passivo, principalmente envolvendo questões de consumo.
Costuma-se afirmar que o Judiciário está abarrotado em virtude da postura de alguns poucos litigantes, sempre recorrendo mesmo quando a jurisprudência já está pacificada. A afirmação, sem dúvidas, é em parte verdadeira [3]. E o Código tenta trazer respostas para isso, como o IRDR, recursos excepcionais repetitivos, a vinculação de precedentes, honorários sucumbenciais, multas por litigância de má-fé etc.
Mas também a litigância, de autores, no varejo, é responsável pela existência de grande número de processos. Com o maior acesso à justiça, com os Juizados Especiais, com a massificação das relações de consumo (e, também, com a má qualidade na prestação dos serviços, seguida da inoperância de agências reguladoras) e com o grande número de advogados no mercado, percebe-se uma verdadeira explosão em demandas pleiteando dano moral [4]. E vale destacar que até o início dos anos 1990, esse tema era praticamente inexistente no Judiciário Brasileiro [5]. Muitas vezes pertinentes (e, portanto, com pedidos procedentes) e outras tantas vezes impertinentes (e, assim, com a improcedência como resultado).
De qualquer forma, a jurisprudência formada à luz do CPC1973 estimulava que o pedido de dano moral fosse formulado de forma irresponsável, dando origem a um fenômeno muitas vezes denominado “indústria do dano moral”. Isso porque:
(i) cabia pedido de dano moral de forma genérica[6] (ou seja, sem especificar o valor que se pretendia receber);
(ii) se o pedido fosse genérico, ainda assim haveria interesse recursal[7] (portanto, se a parte não indicou o valor que queria, e o juiz fixou em R$ 1 mil, cabia recurso para majorar o valor);
(iii) no caso de parcial procedência (fixação em valor abaixo do pleiteado), não haveria sucumbência do autor[8] (logo, se o autor pediu R$ 50 mil de dano moral e a sentença condenou em R$ 5 mil, apenas o réu arcaria com a sucumbência).
Ora, isso (a) facilita que seja pedido o dano moral de forma genérica e, qualquer que seja o valor concedido, haja recurso e (b) estimula que haja pedidos elevados de dano moral, já que não haverá risco de sucumbência. Isso acarreta, portanto, uma litigância irresponsável, permitindo a “indústria do dano moral”: pedir o máximo possível (em 1º grau ou grau recursal), sem arcar com as consequências daí decorrentes. Em um contexto de processo cooperativo[9], haveria espaço para essa conduta?
O NCPC busca alterar esse panorama, em inovações que, no meu entender, são bastante interessantes. Vejamos:
(i) impossibilidade de pedido genérico de dano moral (art. 292, V). Ainda que o mais adequado fosse tratar do tema no tópico do pedido, o NCPC inova ao apontar que o valor da causa na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, será o valor pretendido. Portanto, a partir de agora, o próprio autor deverá indicar, desde a inicial, qual o valor pretendido a título de danos morais. E, por óbvio, se o juiz conceder a indenização nesse valor, não haverá interesse recursal – evitando recursos esdrúxulos em que o autor dizia “deixei a critério do juiz o valor do dano, mas não gostei do critério dele…”
(ii) fixação dos honorários sucumbenciais com base no valor pleiteado, no caso de improcedência (art. 85, § 6º) e impossibilidade de compensação (art. 85, § 14). Modificando sensivelmente o panorama dos honorários, o NCPC deixou claro que, no caso de improcedência, a sucumbência deve ser fixada considerando o valor da causa ou o proveito econômico. Sendo assim, se o pedido de dano moral for de R$ 100 mil, e for julgado improcedente, deverá haverá a condenação sucumbencial em, no mínimo, R$ 10 mil.
De seu turno, como passa a ser vedada a compensação[10], parece-me que não há mais como subsistir a Súmula 326/STJ[11] em situações em que o pedido é parcialmente procedente. Portanto, se o valor do dano moral indicado pelo autor não for acolhido, salvo por pequena quantia[12], haverá sucumbência recíproca[13] – e, assim, mesmo que o autor seja vencedor, ele terá de pagar os honorários do advogado da parte vencida, sendo possível inclusive que haja o desconto dos honorários (que tem natureza alimentar) do valor a ser pago pelo réu. E isso, por óbvio, tende a desestimular pedidos elevados de dano moral.
Para exemplificar, voltemos à causa em que o autor pleiteia R$ 100 mil de danos morais, e a indenização, procedente, é fixada em R$ 10 mil. No sistema do CPC73, haveria apenas sucumbência do réu, que arcaria com os honorários do autor. No sistema do CPC15, a sucumbência seria reciproca, de modo que o réu pagaria honorários ao advogado do autor (em 10%) e o autor pagaria honorários ao advogado do réu (em 10% da diferença entre o que foi pleiteado pelo autor e que foi concedido pelo juiz, conforme Enunciado 14 da ENFAM[14]). Em síntese, o autor receberia R$ 10mil a título de danos morais, ao passo que pagaria R$ 9mil de honorários ao advogado do réu – e, reitere-se, os honorários poderiam ser retirados do montante relativo ao pagamento da indenização[15].
É o fim dos pedidos irresponsáveis de dano moral. A partir de agora, o advogado deverá estudar a jurisprudência para pleitear o dano de acordo com os parâmetros usualmente fixados pelos tribunais, e não mais buscar o enriquecimento da parte via ação de indenização por dano moral. Ótima notícia: afinal, se alguém quer ganhar na loteria, não deve buscar o Judiciário…
Fonte: JOTA
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