22/09/2015

REPERCUSSÕES DAS INTERCORRÊNCIAS NATURAIS E ANTRÓPICAS NA MOBILIDADE E OCUPAÇÃO DAS CIDADES

Maria da Glória Colucci[1]


Sumário: 1 Introdução 2 Intercorrências Naturais e Antrópicas na Vida das Cidades       3 Ocupação e Mobilidade como Reflexos do Planejamento Urbano 4 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO


As cidades são sistemas vivos dotados de elevada complexidade social, cultural e política, nem sempre levada em conta quando das projeções arquitetônicas, estruturais e econômicas de suas vias de transporte.
O novo Plano Diretor de Curitiba, em debate na Câmara Municipal (2015-2016), pretende modificar e direcionar a mobilidade urbana para uma nova concepção de cidade em desenvolvimento no século XXI, focada na concentração do comércio e serviços, comodidades que diminuem o fluxo de passageiros e veículos nos centros urbanos. Não apenas aspectos econômicos precisam fazer parte dos novos esboços dos eixos estruturantes (zoneamento), mas os futuros traçados arquitetônicos das modernas cidades ou metrópoles urgem identificar as opções locais, representadas pelos seus costumes, tradições e gostos – inclinações que retratam as contribuições de cada comunidade ao legado cultural de um povo.
Se o adensamento e a variedade do comércio forem projetados para atender às expectativas e demandas locais dos habitantes das suas proximidades, consumidores em potencial, também não podem ser esquecidas as preferências de mobilidade dos seus frequentadores.
Conforme tem apregoado a mídia, o sistema de transporte coletivo em Curitiba, e seguindo o que ocorre em outros centros urbanos do País, tem perdido passageiros de forma crescente nos últimos anos em prol de carros, taxis, vans, bicicletas e motocicletas, o que aumenta o congestionamento nas vias comuns de circulação.
Além de cada vez mais inervante, a desordem do trânsito urbano se reflete diretamente na economia dos bairros, de forma que o planejamento local e a mobilidade de uma região e o sucesso dos empreendimentos estão conectados com a maior ou menor acessibilidade existente. A construção civil, o lazer, o comércio etc, como oferecem, cada vez mais opções diferenciadas, procuram concentrar em torno de shopping centers os seus empreendimentos, sufocando os pequenos mercados, lojas e lanchonetes, tradicionalmente instalados em suas imediações.
No entanto, como carecem, frequentemente, os planejadores da percepção humana e social dos ambientes urbanos, aspectos característicos das regiões a serem modificadas pelas intervenções na demolição de habitações, por exemplo, não são considerados. Quebram-se laços de vizinhança, festejos, e outros tantos aspectos que diferenciam os bairros e comunidades, em benefício de um futuro crescimento da cidade.
A necessidade de planejamento sistêmico das cidades inclui a construção de vias preferenciais para segmentos específicos da sociedade, a exemplo de ciclovias, como ocorre em Curitiba, com a Via Calma na Sete de Setembro. Igualmente, as passagens para pessoas com necessidades especiais ou sinais de trânsito sincronizados com um tempo maior para travessia de crianças e pessoas idosas, não parecem ocupar os cérebros estratégicos dos principais centros planejadores da mobilidade nas cidades brasileiras.
Por outro lado, a par das interferências bem ou mal planejadas na vida das cidades, existem outros fatores naturais e humanos, aleatoriamente originados por fenômenos climáticos ou de outra procedência, como enchentes e deslizamentos, que mudam definitivamente o desenho das regiões afetadas. Também, guerras assolam cidades inteiras, cambiando suas vidas de modo irreversível, como, infelizmente, tem ocorrido nos países do oriente médio, com a destruição de obras de arte,  antes preservadas como patrimônio da humanidade.




2 INTERCORRÊNCIAS NATURAIS E HUMANAS NA VIDA DAS CIDADES

As intercorrências aqui examinadas não abrangem todas as possibilidades de ordem social, econômica, política ou mesmo natural, que podem transformar uma cidade em um deserto; ou mesmo região em um ambiente hostil.
As cidades brasileiras têm enfrentado uma grave crise de moradias, sendo crescente a presença dos chamados “moradores de rua”; que somados aos dependentes de substâncias tóxicas ilícitas transformam áreas das cidades ou mesmo bairros periféricos em regiões desvalorizadas do ponto de vista econômico, social ou histórico.
Ao elaborar estudos sobre “cidades fantasmas”, pesquisa realizada por José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE), assinala que: “A história da humanidade está repleta não só de cidades, mas também de civilizações que desapareceram devido às crises econômicas, sociais e ambientais”.[2]
Igualmente, Fabrício Gallo da Unesp-Universidade Estadual Paulista, destaca que os fatores podem ser inúmeros, tornando-se a identificação específica dos elementos determinantes do surgimento de uma “cidade fantasma” os mais diferenciados”.[3]
Podem ser dados como exemplos as cidades de Detroit, nos Estados Unidos Pryipat (Ucrânia), Ouradour Sur Glâne (França), Gunkanjima (Japão), Kolmanskop (Namíbia), Epecuén (Argentina), Humberstone (Chile) e Fordlândia (Brasil), que se tornaram cidades desabitadas por diversas causas.[4]
As ações antrópicas, assim entendidas como resultados da interferência humana, sobretudo econômica, podem abarcar a exploração de determinada atividade, como a extração de minérios ou plantações de monoculturas, que uma vez abandonadas transformam os ambientes naturais em deserto (como no caso das minas de carvão, ferro e diamante); ou mesmo antigas regiões de plantio de café, soja, cana-de-açúcar, que permaneceram desérticas por longo tempo. As moradias utilizadas pelos trabalhadores e suas famílias são abandonadas e pequenas vilas se constituem em regiões fantasmas.
Não apenas intercorrências antrópicas são causadoras do esvaziamento de regiões ou mesmo cidades, mas eventos naturais podem transformar lugares parasidíacos em destruição e miséria, como em países do Oceano Índico (dezembro/2004), com o grande tsunami que matou 230 mil pessoas de turistas e habitantes da pequena ilha.[5]
Em desastre natural recente (2015) terremoto causou grandes deslizamentos de terra e avalanches, encurralando os moradores, impedindo o acesso à alimentação, ao atendimento, à saúde e ao transporte:

No dia 25 de abril, um terremoto de magnitude 7.8 atingiu o Nepal, causando enorme devastação. Com seu epicentro no distrito de Gorkha, 200 quilômetros a oeste da capital Ktamandu, o abalo afetou 30 dos 75 distritos do país localizados nas regiões mais a oeste e central, segundo o governo local. Pouco mais de duas semanas depois, em 12 de maio, um segundo terremoto de magnitude 7.3 atingiu o leste da capital, desta vez com epicentro na fronteira entre os distritos de Dolakha e Sindhupalchowk.[6]

A par das intercorrências naturais, à semelhança dos casos relatados, enchentes e secas prolongadas, também podem levar ao abandono de regiões habitadas, como ocorreu no nordeste brasileiro e ainda hoje respondem pela desertificação de extensas terras, antes produtivas.

3 OCUPAÇÃO E MOBILIDADE COMO REFLEXOS DO PLANEJAMENTO URBANO

            Reflexos na ocupação das cidades aparecem em todos os aspectos, não apenas de pessoas, mas de produtos e serviços, encarecendo-os pela dificuldades a serem enfrentadas pelos transportadores de cargas e prestadores de serviços, que transferem para o consumidor final os custos acrescidos.
            Não se podem ignorar os danos ambientais oriundos da exploração desordenada dos recursos naturais, pela ação danosa de origem econômica ou social, que leva à desertificação, à degradação dos bens naturais; resultando no empobrecimento das populações que habitam tais áreas. Neste contexto, atribui o texto constitucional ao Poder Público (art. 225) o dever de preservação e defesa do meio ambiente e à coletividade, de igual modo.[7]
Um dos grandes desafios às políticas públicas na promoção da “sadia qualidade de vida” é o saneamento básico, que não só visa garantir a saúde da população, mas que se reflete, diretamente, nos recursos naturais, descontaminando as águas fluviais, aumentando a sua potabilidade. Incêndios, frequentemente, destroem os recursos ambientais, ao mesmo tempo que deixam ao desabrigo cidadãos em estado de extrema pobreza.
No Brasil, um dos maiores obstáculos à ocupação urbana, que se reflete na vida das cidades, é a falta de planejamento do acesso à água e ao esgotamento sanitário. O cuidado da Administração Pública nem sempre prioriza a limpeza urbana, a coleta de resíduos sólidos, a drenagem de águas pluviais urbanas e o esgotamento de dejetos biológicos.
Léo Heller (pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou –Fiocruz Minas) destaca a importância da Lei n. 11.445/2007, que estabeleceu a Política Nacional de Saneamento Básico, onde se insere o Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab, instituído pelo Decreto n. 8.141, de 2013.[8]
Neste contexto, cabe ao Conselho Nacional das Cidades o monitoramento do Plansab, estabelecendo metas a serem cumpridas nos prazos fixados de acordo com a previsão legal.[9]
Como ressaltado no texto, as problemáticas de uma cidade transcendem a mobilidade e ocupação dos espaços urbanos, no entanto, a proposta de análise voltou-se, principalmente, para enfocar os aspectos referidos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas reflexões oferecidas podem ser extraídas algumas conclusões preliminares, com fulcro no texto da Constituição vigente (1988).
O primeiro passo é a universalidade de acesso aos meios de mobilidade urbana, de pessoas, produtos e serviços, independentemente das condições sociais e econômicas dos usuários, a ser promovida pelas políticas públicas de desenvolvimento urbano (art. 182). Neste sentido, veja-se a Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana).
O segundo degrau na efetivação do direito à convivência digna nos espaços urbanos é a promoção do direito fundamental à moradia (art. 6º), em segurança e bem estar (art.23, parágrafo único, CF).
Acrescente-se a terceira e consequente necessidade do Poder Público promover a “sadia qualidade de vida” (art. 225) dos habitantes das cidades, mediante o acesso à água em condições de potabilidade e ao esgotamento sanitário, conforme ressaltado no texto.
Quanto à ocupação dos espaços urbanos decorrem dela outros desdobramentos não examinados no texto (para além da moradia e da mobilidade), como o lazer, o esporte e a segurança, conforme prevê a Lei Maior (art. 6º) Também, como assegura o art. 136 (in fine), o atendimento em situações de anormalidade, ou seja, em “calamidades de grandes proporções na natureza”; ou, ainda, causadas pela insegurança diante da violência urbana (art. 144 da Constituição) devem ser contempladas pelo Estado, “na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”
Um quinto passo que pode ser alçado à categoria de indispensável na promoção da mobilidade, ocupação e segurança das cidades é o incentivo à pesquisa e ao planejamento das necessidades urbanas, mediante a participação popular. Os cidadãos, habitantes de um espaço urbano, conhecem muito mais do que os administradores das cidades as suas carências, vulnerabilidades e expectativas. Neste sentido, a participação popular é valiosa, o que se permite por intermédio de audiências públicas, quando da elaboração do Plano Diretor, a ser aprovado pela Câmara Municipal (art. 182, CP).
Em particular, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC é uma evidência de que para a adoção de medidas a longo e médio prazo em prol das populações urbanas, devem andar lado a lado a pesquisa e o planejamento. O IPPUC irá completar 50 anos em dezembro de 2015, com resultados obtidos na cidade de Curitiba que servem de modelos no País e fora dele; a exemplo do BRT (ônibus biarticulado de trânsito rápido) e o sistema integrado de mobilidade urbana; além do paisagismo voltado para o lazer e o incentivo à prática de esportes.[10]

REFERÊNCIAS




[1] Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
[2] PIACENTINI, Patrícia.Cidades fantasmas. Rev. Ciência & Cultura – Temas e Tendências. SBPC, ano 67, nº2 – abril/maio/junho de 2015, p.12.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Disponível em www.g1.com/mundo
[6] Terremotos causam enorme destruição no Nepal. Rev. Informação. Médicos Sem Fronteiras (SFM): ano 18, n.37, junho/2015, p.9
[7] BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em www.planalto.gov.br
[8] MORROSINI, Liseane. Reflexo das desigualdades. Radis – Comunicação e saúde, n.154 – julho 2015, p.16.
[9] BRASIL. Lei n.11.445;2007, que instituiu a Política Nacional de Saneamento Básico – Plansab, disponível em www.planalto.gov.br
[10] COLUCCI, Maria da Glória. Sustentabilidade social e planejamento urbano sistêmico: diretrizes principiológicas. Revista do Mestrado/Unicuritiba; vol.3, n.36/2014,p.290-307.

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