11/06/2015

URGÊNCIAS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO NA REALIDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XXI E OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS-ONU)


Maria da Glória Colucci[1]


As constantes notícias veiculadas pela mídia nacional em questões que envolvem a saúde e a educação no País se tornaram tão comuns que passaram a não mais sensibilizar a sociedade brasileira. Vários motivos podem ser apontados para este acomodado desinteresse, uma vez que a educação e a saúde parecem envolver, no entendimento popular, muito mais o próprio indivíduo e sua família, do que a sociedade. Ademais, os investimentos em saúde e educação se apresentam como gastos cujo retorno aparenta não existir, posto que, quantitativamente, são elevados, mas, não oferecem de imediato visível rentabilidade, ou seja, consomem “recursos” sem “lucros” ou “cifras” correspondentes...
No entanto, como bem esclarece Paulo de Oliveira Perna, docente de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, a saúde não é apenas ausência de doença, nem é um problema de ordem unicamente individual, mas ultrapassa, em muito, os limites nos quais tem sido tratado: “Ninguém tem saúde sozinho, você tem saúde na medida em que a sociedade em que vive também tem”[2]
Desta sorte, salta aos olhos que a sociedade brasileira está tão doente que nem consegue reagir às investidas do Poder Público, mediante seguidas restrições e cortes orçamentários nos investimentos em saúde. Igualmente, acrescenta Paulo Perna, destacando a necessidade de compreensão integral da saúde como um problema de todos:

Uma sociedade saudável é aquela que consegue organizar as condições para que todos sejam pessoas com capacidade humana, emancipados, que possam trabalhar, que não haja excessos e desigualdades com alguns tendo tudo o que querem e a maior parte com muito pouco ou nada[3]


Lado a lado, em paridade de condições deficitárias, se apresenta a educação, tratada como necessidade de segunda ou terceira urgência, de modo que o Brasil está gerando um contingente de analfabetos funcionais que “odeiam” a leitura, mesmo a mais simples, porque não compreendem o que leem. Decifram os signos linguísticos, mas não conseguem interpretar o significado dos vocábulos no texto... Mais dolorosa, ainda, é a situação de recém-ingressos nos cursos superiores, financiados pelos programas governamentais, a saber, PROUNI – Programa Universidade Para Todos e o FIES – Programa de Financiamento Estudantil. Chegam ávidos de sucesso profissional, mas suas bagagens intelectuais são tão precárias, que não conseguem concluir os cursos superiores escolhidos. Os números de concluintes no ensino superior não correspondem às propaladas cifras investidas em educação, posto que a evasão escolar é um problema estrutural no Brasil.
Paralelamente, neste cenário desalentador, os estudantes e seus responsáveis se endividam com empréstimos para ingresso em instituições particulares, não conseguindo pagar os financiamentos feitos. Ressalte-se que o problema do endividamento não é só dos estudantes brasileiros, mas vem se constituindo em perigoso desafio à permanência dos alunos financiados também pelos programas de privatização em outros países.
Em minucioso levantamento feito por setores ligados à educação, temendo que situações semelhantes de inadimplência, já constatadas em outros lugares (Chile, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, dentre os casos citados) venham a ocorrer no Brasil, a empresa Morgan Stanley divulgou relatório em que demonstra os resultados adversos esperados:[4]

O forte endividamento estudantil nos países citados e a inadimplência que o acompanha podem ser presságio de um futuro não tão distante no Brasil. Em setembro de 2014, a empresa de serviços financeiros Morgan Stanley divulgou relatório no qual aponta preocupação para o crescimento da inadimplência dos estudantes favorecidos pelo FIES, que pode chegar a 27% em 2017. Segundo o relatório, a inadimplência dos empréstimos deve começar a aparecer em 2015, já que o programa se massificou em 2010, e os pagamentos são feitos apenas depois do término da graduação.[5]


Alega Paulo Rizzo que o grande mal não é o endividamento, mas a postura do Estado em tratar a educação como “mercadoria”, conforme se verifica pelos investimentos públicos nas instituições particulares (isenção de impostos, como no caso do PROUNI):

O PROUNI é um programa de governo que isenta instituições de impostos em troca de vagas. O PROUNI foi o meio que o governo encontrou de fazer o repasse direto de dinheiro público para as empresas do ramo educacional, diminuindo o risco que outros países correm, com a privatização da educação, de se criar uma bolha financeira nessa área, o que pode aprofundar a crise do capital mundial, como se prevê que deve acontecer nos próximos anos nos Estados Unidos.[6]

Segundo dados do MEC/Valor Econômico, o acesso ao ensino superior, visando sua universalização, só está se tornando possível diante do fato que: “FIES e PROUNI juntos são responsáveis por 31% do total das matrículas no sistema privado de ensino superior (1,66 milhões de estudantes)”.[7]
Considerando a importância da saúde e educação no cenário internacional, o Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) se posiciona sobre a necessidade de “[...] acesso pleno a uma educação de qualidade a todos os níveis como uma condição essencial para se obter (alcançar) o desenvolvimento sustentável [...]”[8] a saúde é uma condição prévia, um resultado e um indicador das três dimensões do desenvolvimento sustentável”.[9]
Independente das repercussões sociais do acesso universal à saúde como direito fundamental (art. 196 da Constituição de 1988) e da educação como requisito essencial “[...] ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205); a Sociedade e o Estado brasileiro têm um compromisso inadiável e urgente com a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F).[10]
Para espanto da sociedade brasileira (maio,2015), os jornais alardearam medidas de contingenciamento, com cortes no Orçamento de 2015, sobretudo nos recursos destinados às pastas da Cidade, Saúde e Educação, totalizando R$ 69,9 bilhões de reais. Os cortes de despesas afetam, diretamente, todos os 39 ministérios, com destaque para as áreas que representam a qualidade de vida da população brasileira, a saber, saúde, moradia, educação, saneamento, transporte, dentre outras.[11]
Foram alegadas múltiplas razões, mas, como se sabe, os desmandos do Poder Público, nos três níveis da Administração (federal, estadual e municipal) levaram à derrocada os recursos orçamentários previstos para o ano em curso, com inevitáveis reflexos nos próximos anos.
Sobressai, neste contexto, a falta de ética das autoridades governamentais que, mediante manipulação dos meios de comunicação, corrupção, sucessivos engodos e manobras políticas, conduziram as contas públicas à situação atual, contrariando, frontalmente, o disposto no art. 37 da Constituição em vigor.[12]



[1] Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
[2] PERNA, Paulo Oliveira. Saúde e sociedade é tema de debate entre docentes aposentados. Informativo APUFPr – SSIND, n. 115, nov.2014, p.7.
[3] Idem.
[4] Quem deve pagar pela educação? INFORMANDES, Brasília (DF), n.39, outubro de 2014, p.8-9.
[5] Idem, p.11
[6] Ibidem.
[7] www.valor.com.br/brasil
[8] ONU. Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável-A/Conf.216/L;1 www.onu.org.br/rascunho-zero-da-rio20
[9] Idem, A/Conf.216/L1, 138
[10] BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em www.planalto.gov.br
[11] Governo faz corte recorde de R$ 69,9 bilhões no orçamento. Curitiba: Gazeta do Povo, 23 de maio de 2015, p.14 (Economia) – disponível em www.gazetadopovo.com.br
[12] BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em www.planalto.gov.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário