Maria da Glória Colucci[1]
As constantes notícias veiculadas
pela mídia nacional em questões que envolvem a saúde e a educação no País se
tornaram tão comuns que passaram a não mais sensibilizar a sociedade
brasileira. Vários motivos podem ser apontados para este acomodado
desinteresse, uma vez que a educação e a saúde parecem envolver, no
entendimento popular, muito mais o próprio indivíduo e sua família, do que a
sociedade. Ademais, os investimentos em saúde e educação se apresentam como
gastos cujo retorno aparenta não existir, posto que, quantitativamente, são
elevados, mas, não oferecem de imediato visível rentabilidade, ou seja,
consomem “recursos” sem “lucros” ou “cifras” correspondentes...
No entanto, como bem esclarece
Paulo de Oliveira Perna, docente de Enfermagem da Universidade Federal do
Paraná, a saúde não é apenas ausência de doença, nem é um problema de ordem
unicamente individual, mas ultrapassa, em muito, os limites nos quais tem sido
tratado: “Ninguém tem saúde sozinho, você tem saúde na medida em que a
sociedade em que vive também tem”[2]
Desta sorte, salta aos olhos que
a sociedade brasileira está tão doente que nem consegue reagir às investidas do
Poder Público, mediante seguidas restrições e cortes orçamentários nos
investimentos em saúde. Igualmente, acrescenta Paulo Perna, destacando a
necessidade de compreensão integral da saúde como um problema de todos:
Uma sociedade saudável é aquela que consegue organizar as
condições para que todos sejam pessoas com capacidade humana, emancipados, que
possam trabalhar, que não haja excessos e desigualdades ─ com alguns tendo tudo o que querem e
a maior parte com muito pouco ou nada[3]
Lado a lado, em paridade de
condições deficitárias, se apresenta a educação, tratada como necessidade de
segunda ou terceira urgência, de modo que o Brasil está gerando um contingente
de analfabetos funcionais que “odeiam” a leitura, mesmo a mais simples, porque
não compreendem o que leem. Decifram os signos linguísticos, mas não conseguem
interpretar o significado dos vocábulos no texto... Mais dolorosa, ainda, é a
situação de recém-ingressos nos cursos superiores, financiados pelos programas
governamentais, a saber, PROUNI – Programa Universidade Para Todos e o FIES –
Programa de Financiamento Estudantil. Chegam ávidos de sucesso profissional,
mas suas bagagens intelectuais são tão precárias, que não conseguem concluir os
cursos superiores escolhidos. Os números de concluintes no ensino superior não
correspondem às propaladas cifras investidas em educação, posto que a evasão
escolar é um problema estrutural no Brasil.
Paralelamente, neste cenário
desalentador, os estudantes e seus responsáveis se endividam com empréstimos
para ingresso em instituições particulares, não conseguindo pagar os
financiamentos feitos. Ressalte-se que o problema do endividamento não é só dos
estudantes brasileiros, mas vem se constituindo em perigoso desafio à
permanência dos alunos financiados também pelos programas de privatização em
outros países.
Em minucioso levantamento feito
por setores ligados à educação, temendo que situações semelhantes de
inadimplência, já constatadas em outros lugares (Chile, Estados Unidos, Alemanha,
Inglaterra, dentre os casos citados) venham a ocorrer no Brasil, a empresa
Morgan Stanley divulgou relatório em que demonstra os resultados adversos
esperados:[4]
O forte endividamento estudantil nos países citados e a
inadimplência que o acompanha podem ser presságio de um futuro não tão distante
no Brasil. Em setembro de 2014, a empresa de serviços financeiros Morgan
Stanley divulgou relatório no qual aponta preocupação para o crescimento da
inadimplência dos estudantes favorecidos pelo FIES, que pode chegar a 27% em
2017. Segundo o relatório, a inadimplência dos empréstimos deve começar a
aparecer em 2015, já que o programa se massificou em 2010, e os pagamentos são
feitos apenas depois do término da graduação.[5]
Alega Paulo Rizzo que o grande
mal não é o endividamento, mas a postura do Estado em tratar a educação como
“mercadoria”, conforme se verifica pelos investimentos públicos nas
instituições particulares (isenção de impostos, como no caso do PROUNI):
O PROUNI é um programa de governo que isenta instituições de
impostos em troca de vagas. O PROUNI foi o meio que o governo encontrou de
fazer o repasse direto de dinheiro público para as empresas do ramo
educacional, diminuindo o risco que outros países correm, com a privatização da
educação, de se criar uma bolha financeira nessa área, o que pode aprofundar a
crise do capital mundial, como se prevê que deve acontecer nos próximos anos
nos Estados Unidos.[6]
Segundo dados do MEC/Valor
Econômico, o acesso ao ensino superior, visando sua universalização, só está se
tornando possível diante do fato que: “FIES e PROUNI juntos são responsáveis
por 31% do total das matrículas no sistema privado de ensino superior (1,66
milhões de estudantes)”.[7]
Considerando a importância da
saúde e educação no cenário internacional, o Documento Final da Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) se posiciona sobre a
necessidade de “[...] acesso pleno a uma educação de qualidade a todos os
níveis como uma condição essencial para se obter (alcançar) o desenvolvimento
sustentável [...]”[8]
a saúde é uma condição prévia, um resultado e um indicador das três dimensões
do desenvolvimento sustentável”.[9]
Independente das repercussões
sociais do acesso universal à saúde como direito fundamental (art. 196 da
Constituição de 1988) e da educação como requisito essencial “[...] ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (art. 205); a Sociedade e o Estado brasileiro têm
um compromisso inadiável e urgente com a promoção da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, C.F).[10]
Para espanto da sociedade
brasileira (maio,2015), os jornais alardearam medidas de contingenciamento, com
cortes no Orçamento de 2015, sobretudo nos recursos destinados às pastas da
Cidade, Saúde e Educação, totalizando R$ 69,9 bilhões de reais. Os cortes de
despesas afetam, diretamente, todos os 39 ministérios, com destaque para as
áreas que representam a qualidade de vida da população brasileira, a saber,
saúde, moradia, educação, saneamento, transporte, dentre outras.[11]
Foram alegadas múltiplas razões,
mas, como se sabe, os desmandos do Poder Público, nos três níveis da
Administração (federal, estadual e municipal) levaram à derrocada os recursos
orçamentários previstos para o ano em curso, com inevitáveis reflexos nos
próximos anos.
Sobressai, neste contexto, a
falta de ética das autoridades governamentais que, mediante manipulação dos
meios de comunicação, corrupção, sucessivos engodos e manobras políticas,
conduziram as contas públicas à situação atual, contrariando, frontalmente, o
disposto no art. 37 da Constituição em vigor.[12]
[1]
Advogada. Mestre em Direito Público
pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular
de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário
Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora
do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA,
desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade
Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos
Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
[2]
PERNA, Paulo Oliveira. Saúde e sociedade é tema de debate entre docentes
aposentados. Informativo APUFPr – SSIND,
n. 115, nov.2014, p.7.
[3]
Idem.
[4]
Quem deve pagar pela educação? INFORMANDES,
Brasília (DF), n.39, outubro de 2014, p.8-9.
[5]
Idem, p.11
[6]
Ibidem.
[7]
www.valor.com.br/brasil
[8]
ONU. Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável-A/Conf.216/L;1 www.onu.org.br/rascunho-zero-da-rio20
[9]
Idem, A/Conf.216/L1, 138
[10]
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em
www.planalto.gov.br
[11]
Governo faz corte recorde de R$ 69,9 bilhões no orçamento. Curitiba: Gazeta do
Povo, 23 de maio de 2015, p.14 (Economia) – disponível em
www.gazetadopovo.com.br
[12]
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em
www.planalto.gov.br
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