Por Ana Cristina.
Em meio a pandemia do
Covid-19, a principal recomendação das autoridades de saúde para o combate ao
vírus é o isolamento social, e nesse sentido, a orientação é de que as pessoas
permaneçam em suas casas. Mas, e quanto aqueles que não tem casa, aqueles cuja
a realidade é morar nas ruas?
O direito à moradia é
considerado um direito humano fundamental pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos; esse se faz presente também, no art. 6º, caput, da
Constituição Federal de 1988 como um direito social, e nas competências comuns
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao dispor que os
entes federativos devem “promover programas de construção de moradia e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (art. 23, inciso
IX, CF).
Mais do que reconhecer o
direito à moradia, é preciso entendê-lo em um sentido amplo, que ultrapassa
apenas um teto e quatro paredes. De acordo com a definição do Comitê dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, uma moradia adequada deve
garantir a existência de condições mínimas de sobrevivência, como saneamento e
luz elétrica, além de acessibilidade a serviços públicos básicos, etc.
Entretanto, apesar da previsão
legal e importância constitucional, visto que o direito à moradia está
diretamente associado a dignidade da pessoa humana, a implementação desse
direito ainda é um grande desafio, que se torna mais difícil diante do contexto
do coronavírus.
De acordo com as pesquisas do
Censo Pop Rua (Censo Nacional sobre a População em Situação de Rua), milhares
de pessoas vivem nas ruas, podendo o número exato ultrapassar 45 mil
indivíduos. Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em
julho de 2019, em Curitiba, havia 2.369 moradores em situação de rua
registrados no Cadastro único (Cadúnico), um dos instrumentos utilizados pelo
poder público para definir políticas públicas para pessoas em situação de rua.
Fora esses números, alguns estados não possuem um censo atualizado no que se
refere a população em situação de rua, nos levando à conclusão de que centenas
de pessoas não são contempladas nas estatísticas e, consequentemente, nas
medidas efetuadas.
Assim, será
que as informações essenciais para o cuidado básico com a saúde atingem estas
pessoas?
Mais do que isso, será que o poder público tem adotado as medidas necessárias
para a sua proteção?
Muitas podem ser a providências tomadas, tais
quais, a reorganização e ampliação da oferta de acolhimento da população em
situação de rua, que envolvem um maior acesso a condições de higiene, o
isolamento das pessoas que apresentem sintomas de Covid-19, entre outras.
O presidente Thiago Ferro da
Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), no site da instituição, afirmou que
a população de rua é, nesse momento, o grupo prioritário da assistência social
no munícipio. De acordo com ele, a FAS está trabalhando diariamente em projetos
que ajudem a proteger essas pessoas que estão mais vulneráveis em função da
condição de rua.
Buscando adotar medidas
especiais, a Prefeitura de Curitiba, através da atuação da FAS, definiu um
protocolo de atendimento em prevenção ao coronavírus. Dois abrigos emergenciais
foram abertos para acolher pessoas em situação de rua que estejam com suspeita
do Covid-19 - um para homens no Campina do Siqueira e um para mulheres, no
Capão da Imbuia. Com esses somam três, os novos espaços para atender essa
população. De acordo com a prefeitura os espaços deveriam começar a funcionar
no dia 25 de março, mas após contato com seus funcionários, nenhum deles soube
dizer se os espaços estão ou não efetivamente funcionando. Um dos espaços já
estava em funcionamento, buscando acolher a população de rua que faz parte do
grupo de risco (idosos, pessoas com doenças crônicas, etc.).
Se como medida principal,
atua-se na realocação dessas pessoas para albergues e abrigos, há uma
necessidade de que a organização desses locais não contribua para a aglomeração
de pessoas, o que aumenta o risco de contágio e transmissão do vírus. Muitos
dos abrigos têm pouca ventilação e podem facilmente ser locais de aglomeração.
Pensando nisso, a FAS tem estabelecido medidas para evitar a aglomeração de
pessoas dentro de suas unidades e aumentar a higiene, além de fornecer
agasalhos limpos e roupas de camas individualizadas.
Nos atendimentos nos Centros
de Referência Especializados para População de Rua (Centros Pop), na Central de
Encaminhamento Social 24 Horas, as pessoas tem sido organizadas em filas nas
áreas externas para acessar os serviços. Os funcionários da FAS têm orientado
sobre a distância segura entre as pessoas e a importância dos cuidados de
higiene pessoal e dos ambientes que usam. Todas as pessoas estão sendo
orientadas para não compartilhar objetos de uso pessoal (talheres, pratos,
copos, garrafas, canudos, cigarros, etc.).
Nos espaços que fornecem
alimentação e banho, as pessoas deixam seus pertences em guarda-volumes, são
encaminhadas para tomar um banho e fazer a sua higiene e depois recebem uma
refeição. Todas as pessoas que procuram os espaços para tomar banho recebem
roupas limpas para usar.
Nos acolhimentos, as camas e
beliches foram dispostos de maneira que fiquem a uma distância de pelo menos um
metro uns dos outros e o ambiente está sempre arejado. Assim como nos
acolhimentos, nas casas de passagem – que oferecem abrigo apenas durante a
noite – as roupas de cama são individuais e os cobertores estão sendo guardados
em sacos plásticos com a identificação dos usuários.
Entretanto, mesmo com as
medidas instituídas, a Prefeitura e a FAS não conseguem atingir um percentual
tão grande das pessoas em situação de rua. É possível perceber isso ao somar os
números disponíveis nos abrigos e outros espaços emergenciais. Eles não são
suficientes – os novos espaços somam 120 vagas; e de acordo com um
demonstrativo da capacidade de vagas de unidades de acolhimento institucional
vinculado a Diretoria de Atenção à População em Situação de Rua da FAS, são
1.012 vagas, no total (considerando abrigos institucionais, casas de passagem,
repúblicas, etc.).
Independentemente da atuação
da Fundação da Ação Social, a maior preocupação das pessoas que moram na rua,
nesse contexto de isolamento social, não é de serem infectadas, mas de não
terem o que comer. Isso ocorre, pois como grande parte dos estabelecimentos
estão fechados, devido as indicações das autoridades de saúde, eles não recebem
a ajuda costumeira para se alimentar, e mesmo com a ajuda da FAS, como foi
dito, muitas pessoas não são contempladas.
Nesse sentido, é de extrema
importância o trabalho que diversas organizações tem realizado. Uma delas, bem
conhecida, é o Sopão Curitiba, iniciativa de uma egressa do Unicuritiba,
Larissa Isadora Ribeiro e que, também, conta com a participação de vários
alunos da instituição, que frequentemente se voluntariam para ajudar no projeto.
Mesmo em contexto de isolamento social, o Sopão tem dado continuidade ao seu
trabalho de entrega de comidas para a população em situação de rua e alguns
asilos e comunidades mais vulneráveis. Além disso, os voluntários têm feito uma
campanha de arrecadação de produtos de higiene, como álcool gel e sabonetes e,
também de água mineral.
A coordenadora do Sopão,
Larissa, disse que está em contato com vários grupos que também entregam
comida, para criar uma escala e garantir que as pessoas tenham refeições todos
os dias. Ela disse, também, que, em todas as oportunidades, tem se esforçado
para conversar com as pessoas, orientá-las sobre a higienização das mãos, sobre
os sintomas comuns do vírus, para reduzir os riscos de contagio, e para que
eles fiquem atentos e busquem ajuda, caso necessário. Mais do que isso, os
voluntários têm orientado as pessoas a aceitarem o encaminhamento para os
abrigos da FAS, para entrarem no isolamento social.
Em situações como essa, é possível
observar, de maneira escancarada, como o poder público tem dificuldade em
garantir o acesso a direitos básicos a população de rua. Apesar das estratégias
e intervenções que tem sido feitas, serem de inegável importância, ficamos com
o seguinte questionamento, será que os serviços e a capacidade que a cidade tem
para atender são suficientes e efetivos para, de fato, garantir a proteção de
todas as pessoas que estão nessa situação?
No entanto esse questionamento
deve, também, nos fazer questionar o quão solidários temos sido nesse contexto
em que estamos vivendo. Apesar de evidente a importância das ações dos entes
federativos, já analisada, as ações de cidadania e assistências exercidas pelos
próprios cidadãos, através de campanhas de arrecadação de alimentos e produtos
de higiene, por exemplo, têm grande significado. O combate ao coronavírus e a
ajuda à população em situação de rua não é só dever do poder público, mas uma
responsabilidade coletiva.
Referências:
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