18/04/2020

Em pauta: A exposição da população em situação de rua ao coronavírus



Em meio a pandemia do Covid-19, a principal recomendação das autoridades de saúde para o combate ao vírus é o isolamento social, e nesse sentido, a orientação é de que as pessoas permaneçam em suas casas. Mas, e quanto aqueles que não tem casa, aqueles cuja a realidade é morar nas ruas?
O direito à moradia é considerado um direito humano fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos; esse se faz presente também, no art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988 como um direito social, e nas competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao dispor que os entes federativos devem “promover programas de construção de moradia e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (art. 23, inciso IX, CF).
Mais do que reconhecer o direito à moradia, é preciso entendê-lo em um sentido amplo, que ultrapassa apenas um teto e quatro paredes. De acordo com a definição do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, uma moradia adequada deve garantir a existência de condições mínimas de sobrevivência, como saneamento e luz elétrica, além de acessibilidade a serviços públicos básicos, etc.
Entretanto, apesar da previsão legal e importância constitucional, visto que o direito à moradia está diretamente associado a dignidade da pessoa humana, a implementação desse direito ainda é um grande desafio, que se torna mais difícil diante do contexto do coronavírus.
De acordo com as pesquisas do Censo Pop Rua (Censo Nacional sobre a População em Situação de Rua), milhares de pessoas vivem nas ruas, podendo o número exato ultrapassar 45 mil indivíduos. Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em julho de 2019, em Curitiba, havia 2.369 moradores em situação de rua registrados no Cadastro único (Cadúnico), um dos instrumentos utilizados pelo poder público para definir políticas públicas para pessoas em situação de rua. Fora esses números, alguns estados não possuem um censo atualizado no que se refere a população em situação de rua, nos levando à conclusão de que centenas de pessoas não são contempladas nas estatísticas e, consequentemente, nas medidas efetuadas.
Assim, será que as informações essenciais para o cuidado básico com a saúde atingem estas pessoas? Mais do que isso, será que o poder público tem adotado as medidas necessárias para a sua proteção?
          Muitas podem ser a providências tomadas, tais quais, a reorganização e ampliação da oferta de acolhimento da população em situação de rua, que envolvem um maior acesso a condições de higiene, o isolamento das pessoas que apresentem sintomas de Covid-19, entre outras.
O presidente Thiago Ferro da Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), no site da instituição, afirmou que a população de rua é, nesse momento, o grupo prioritário da assistência social no munícipio. De acordo com ele, a FAS está trabalhando diariamente em projetos que ajudem a proteger essas pessoas que estão mais vulneráveis em função da condição de rua.
Buscando adotar medidas especiais, a Prefeitura de Curitiba, através da atuação da FAS, definiu um protocolo de atendimento em prevenção ao coronavírus. Dois abrigos emergenciais foram abertos para acolher pessoas em situação de rua que estejam com suspeita do Covid-19 - um para homens no Campina do Siqueira e um para mulheres, no Capão da Imbuia. Com esses somam três, os novos espaços para atender essa população. De acordo com a prefeitura os espaços deveriam começar a funcionar no dia 25 de março, mas após contato com seus funcionários, nenhum deles soube dizer se os espaços estão ou não efetivamente funcionando. Um dos espaços já estava em funcionamento, buscando acolher a população de rua que faz parte do grupo de risco (idosos, pessoas com doenças crônicas, etc.).
Se como medida principal, atua-se na realocação dessas pessoas para albergues e abrigos, há uma necessidade de que a organização desses locais não contribua para a aglomeração de pessoas, o que aumenta o risco de contágio e transmissão do vírus. Muitos dos abrigos têm pouca ventilação e podem facilmente ser locais de aglomeração. Pensando nisso, a FAS tem estabelecido medidas para evitar a aglomeração de pessoas dentro de suas unidades e aumentar a higiene, além de fornecer agasalhos limpos e roupas de camas individualizadas.
Nos atendimentos nos Centros de Referência Especializados para População de Rua (Centros Pop), na Central de Encaminhamento Social 24 Horas, as pessoas tem sido organizadas em filas nas áreas externas para acessar os serviços. Os funcionários da FAS têm orientado sobre a distância segura entre as pessoas e a importância dos cuidados de higiene pessoal e dos ambientes que usam. Todas as pessoas estão sendo orientadas para não compartilhar objetos de uso pessoal (talheres, pratos, copos, garrafas, canudos, cigarros, etc.).
Nos espaços que fornecem alimentação e banho, as pessoas deixam seus pertences em guarda-volumes, são encaminhadas para tomar um banho e fazer a sua higiene e depois recebem uma refeição. Todas as pessoas que procuram os espaços para tomar banho recebem roupas limpas para usar.
Nos acolhimentos, as camas e beliches foram dispostos de maneira que fiquem a uma distância de pelo menos um metro uns dos outros e o ambiente está sempre arejado. Assim como nos acolhimentos, nas casas de passagem – que oferecem abrigo apenas durante a noite – as roupas de cama são individuais e os cobertores estão sendo guardados em sacos plásticos com a identificação dos usuários.
Entretanto, mesmo com as medidas instituídas, a Prefeitura e a FAS não conseguem atingir um percentual tão grande das pessoas em situação de rua. É possível perceber isso ao somar os números disponíveis nos abrigos e outros espaços emergenciais. Eles não são suficientes – os novos espaços somam 120 vagas; e de acordo com um demonstrativo da capacidade de vagas de unidades de acolhimento institucional vinculado a Diretoria de Atenção à População em Situação de Rua da FAS, são 1.012 vagas, no total (considerando abrigos institucionais, casas de passagem, repúblicas, etc.).
Independentemente da atuação da Fundação da Ação Social, a maior preocupação das pessoas que moram na rua, nesse contexto de isolamento social, não é de serem infectadas, mas de não terem o que comer. Isso ocorre, pois como grande parte dos estabelecimentos estão fechados, devido as indicações das autoridades de saúde, eles não recebem a ajuda costumeira para se alimentar, e mesmo com a ajuda da FAS, como foi dito, muitas pessoas não são contempladas.   
Nesse sentido, é de extrema importância o trabalho que diversas organizações tem realizado. Uma delas, bem conhecida, é o Sopão Curitiba, iniciativa de uma egressa do Unicuritiba, Larissa Isadora Ribeiro e que, também, conta com a participação de vários alunos da instituição, que frequentemente se voluntariam para ajudar no projeto. Mesmo em contexto de isolamento social, o Sopão tem dado continuidade ao seu trabalho de entrega de comidas para a população em situação de rua e alguns asilos e comunidades mais vulneráveis. Além disso, os voluntários têm feito uma campanha de arrecadação de produtos de higiene, como álcool gel e sabonetes e, também de água mineral.
A coordenadora do Sopão, Larissa, disse que está em contato com vários grupos que também entregam comida, para criar uma escala e garantir que as pessoas tenham refeições todos os dias. Ela disse, também, que, em todas as oportunidades, tem se esforçado para conversar com as pessoas, orientá-las sobre a higienização das mãos, sobre os sintomas comuns do vírus, para reduzir os riscos de contagio, e para que eles fiquem atentos e busquem ajuda, caso necessário. Mais do que isso, os voluntários têm orientado as pessoas a aceitarem o encaminhamento para os abrigos da FAS, para entrarem no isolamento social.
Em situações como essa, é possível observar, de maneira escancarada, como o poder público tem dificuldade em garantir o acesso a direitos básicos a população de rua. Apesar das estratégias e intervenções que tem sido feitas, serem de inegável importância, ficamos com o seguinte questionamento, será que os serviços e a capacidade que a cidade tem para atender são suficientes e efetivos para, de fato, garantir a proteção de todas as pessoas que estão nessa situação?
No entanto esse questionamento deve, também, nos fazer questionar o quão solidários temos sido nesse contexto em que estamos vivendo. Apesar de evidente a importância das ações dos entes federativos, já analisada, as ações de cidadania e assistências exercidas pelos próprios cidadãos, através de campanhas de arrecadação de alimentos e produtos de higiene, por exemplo, têm grande significado. O combate ao coronavírus e a ajuda à população em situação de rua não é só dever do poder público, mas uma responsabilidade coletiva.


Referências:



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