Com respaldo pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, acompanhada
pelas Constituições de diversos países ao redor do mundo, a liberdade de
expressão é um dos direitos fundamentais do homem. Diante disso, cabe a todo
ser humano o direito/dever de todos, em especial das autoridades politicas,
preservá-la.
No Brasil, não é diferente, tendo a
Constituição Federal estabelecido ao longo do art. 5º a livre manifestação do
pensamento, de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença, sendo vedado o anonimato. Além disso,
aqui, o exercício deste direito também está diretamente ligado à
redemocratização do país, vez que, não há muito tempo, o ato de se expressar
livremente era cerceado com violência.
Em que pese o presidente Jair
Bolsonaro tenha afirmado em abril do ano passado (2019), que a liberdade de
expressão é um direito legítimo e inviolável[1] –
talvez na tentativa de justificar seus inúmeros comentários odiosos ao longo de
sua carreira política –, será que, de fato, esse esta liberdade é absoluta?
Embora se possa amparar em tal direito, há aspectos que exigem,
urgentemente, uma melhor definição e condução. Um deles, em alta atualmente –
infelizmente não só no Brasil –, é o discurso de ódio, que, por mais lamentável
que seja, continua ocupando a agenda das discussões em torno do alcance da
proteção da liberdade de expressão.
Basicamente, o discurso de ódio é aquele discurso proferido através de
mensagens – escritas e/ou verbais – que buscam a promoção do ódio e incitação à
discriminação, hostilidade e violência contra um grupo em virtude de raça,
religião, nacionalidade, orientação sexual, gênero, condição física ou outra
característica. É utilizado com a finalidade de insultar, perseguir e
justificar a privação de direitos humanos alheios e, em casos extremos, para
dar razão a homicídios e genocídios. Assim, é dirigido a um grupo de pessoas,
de forma que as mensagens de desprezo, aversão e hostilidade extrema não
configuram dano a apenas uma pessoa específica, mas a uma coletividade inteira,
cujas características são comuns entre eles.
Não faltam exemplos, seja no cenário
global ou nacional, destes discursos, que vem se agravando substancialmente,
seja pelo teor, quanto pelo impacto em diversas searas. Só no último ano,
podemos citar a condenação de um “humorista” por injúria a uma deputada, os
inúmeros discursos de autoridades governamentais – não falando apenas sobre o
presidente –, as ofensas proferidas a uma ativista após seu discurso na ONU e,
mais recentemente, os casos de racismo explícito em um jogo de futebol em
Portugal, e de um motorista de aplicativo em Curitiba.
Percebam que sequer é necessário mencionar
nomes para saber do que cada um dos casos de trata. Isso porque a ampliação em
progressão geométrica do acesso à internet e às mídias sociais, a facilidade de
veicular essas manifestações discriminatórias, tem servido não apenas como meio
de divulgação desses discursos, mas também como uma forma ainda maior de
segregação e violência, sem limites quantitativos e territoriais.
Nesse cenário, é compreensível a
preocupação com os limites da liberdade de expressão não só na esfera política,
mas também judiciária, que tenta entender e definir, até certo ponto, quais
manifestações podem ou não ser assim enquadradas e reprimidas. É precisamente aqui que as diferenças entre
os diversos ordenamentos jurídicos assumem particular importância, em especial
quanto à assim chamada posição preferencial da liberdade de expressão.
Na Alemanha, por exemplo, aqueles
discursos que negam os crimes de guerra e genocídio, por si só, são
interditados e criminalizados, a fim de se evitar o retorno dos preceitos
neonazistas. Por outro lado, nos Estados Unidos, entende-se pela proibição da
limitação da liberdade de expressão, a chamada “free speech”. Então, discursos similares aos acima mencionados, são
plenamente lícitos, ainda que em confronto às outras liberdades humanas.
Enquanto isso, no Brasil, não há lei
específica sobre o tema, levantando-se cada vez mais polêmicas acerca de
determinados discursos, sejam de pessoas públicas ou não, fazendo com que cada
Juiz, Desembargador e Ministro, possa ter um posicionamento diferente,
favorecendo um ou outro direito de acordo com interesses pessoais.
Outra discussão que não se pode deixar
de mencionar é o “paradoxo da tolerância”, levantado, a priori, por Karl Popper
(1945) e, posteriormente, por John Rawls (1971). Enquanto o primeiro concluiu que
devemos reivindicar o direito de não tolerar os intolerantes – em nome da
tolerância; o segundo afirma que a sociedade deve tolerar, inclusive, os
intolerantes – salvaguardada a autopreservação.
Assim, para Popper em “A Sociedade
Aberta e Seus Inimigos”:
Tolerância ilimitada culminará no
desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até para
aqueles que são intolerantes […], então os tolerantes serão destruídos, e junto
com eles a tolerância.
Nessa formulação eu não sugiro que devemos
sempre suprimir os discursos de filosofias intolerantes; desde que seja
possível contrariá-los através da argumentação lógica e desde que a opinião
pública os mantenha quietos, suprimi-los seria imprudente.
Porém, devemos reivindicar o direito de
suprimi-los até pela força, se necessário; pois é provável que eles não estejam
preparados para encontrar nosso nível de argumento racional, e podem começar a
rejeitar qualquer tipo de argumento.
Ele podem proibir seus seguidores de ouvirem
argumentos racionais, e ensiná-los a responderem argumentos com seus punhos ou
pistolas. Nós devemos portanto reivindicar, em nome da tolerância, o direito de
não tolerar os intolerantes.
Ao passo em que Rawls (em “A Teoria da
Justiça”) não é tão peremptório...
Ao passo que uma seita intolerante não possui
pretexto para reclamar de intolerância, a sua liberdade deve ser restringida em
relação aos tolerantes, somente quando estes últimos creem que a sua própria
segurança e as instituições que preservam a liberdade, estão em perigo.
Todavia, em que pese discussões filosóficas e até mesmo políticas sobre
o tema, não é possível se chegar, a princípio, em critério prático para se
estabelecer quando um discurso intolerante passa de um mero exotismo se
convertendo em uma ameaça à democracia.
Assim, sem parâmetros objetivos, cada indivíduo se torna responsável
por suas convicções. Há de se mencionar, porém, que não obstante a importância
das liberdades pessoais, em especial a de expressão, não se pode deixar de
observar também o direito dos demais, de serem respeitados e tratados com
dignidade – princípio máximo dos Direitos Humanos.
Diante disso, tem-se que o limite da liberdade de expressão está em não ultrapassar os direitos fundamentais de outros indivíduos. Ou seja, a incitação de atos violentos, discriminação e preconceito ferem não só a Constituição, mas o direito inerente a todos os seres humanos, de ser respeitado com suas particularidades. Assim, quando a liberdade de expressão de um, fere a liberdade de outro, torna-se opres
[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/liberdade-de-expressao-e-direito-inviolavel-diz-bolsonaro-apos-caso-de-censura.shtml
Giovanna, vc é sensacional! Excelente matéria.
ResponderExcluirMuito obrigada!
Excluir