Oficializado em 1975 pela ONU (Organização das Nações
Unidas), o Dia Internacional das Mulheres é comemorado desde o início do século
XX e possui raízes históricas, profundas e sérias. Ao contrário de muitas
outras datas comemorativas, essa não foi criada pelo comércio, e possui como
finalidade conservar, reafirmar e promover conquistas e direitos femininos.
Embora muitas pessoas afirmem que o dia 08 de março foi
escolhido para a celebração devido a um incêndio ocorrido nos Estados Unidos
nos anos 1911, a pesquisadora Ana González apresenta outra versão dos fatos,
desmistificando a data e apresentando a real história por trás da data.
Conforme apontam os estudos, tudo começou com a busca pelo
sufrágio universal, a princípio nos Estados Unidos, em 1848 na Convenção de
Seneca Falls. No evento, a figura central foi Elizabeth Candy Stanton
(auxiliada por Lucreia Mott), que se encarregou não apenas em realizá-la, mas
também em redigir uma declaração de princípios e resoluções que foram ali
aprovadas. Assim, a Declaração de Seneca Falls se tornou o primeiro documento
estadunidense em que mulheres expressaram o repúdio à falsa igualdade em que
viviam, exigindo a pela e total liberdade do gênero.
Estamos
reunidas para protestar contra uma forma de governo, que existe sem o
consentimento dos governados, para declarar o nosso direito de ser livres como
o homem, de sermos representadas em um governo que sustentamos com os nossos
impostos, para ter leis tão vergonhosas que dão ao homem o poder de castigar e
encarcerar sua esposa, para se apossar do salário que ela recebe, das
propriedades que herda e, em caso de separação, dos filhos que ama (...) E, por
estranho que pareça a muitos, exigimos agora o nosso direito de votar de acordo
com a declaração do governo sob o qual vivemos (...) Todos os homens brancos
neste país têm os mesmos direitos, independentemente das suas diferenças na
mente, no corpo ou de estado. O direito é nosso. A questão agora é como
tomaremos posse do que por direito nos pertence. (Elizabeth Cady Stanton)
Todavia, a única resolução não aprovada por unanimidade foi,
justamente, aquela em que exigia o direito das mulheres ao voto. Não
por acaso, o primeiro lugar na lista das injustiças e usurpação que a
declaração atribuía aos homens era ter negado às mulheres “o direito
inalienável de votar”. Daí se originava o restante das leis que os homens
aprovaram para privar as mulheres de administrar suas propriedades e seus
salários, subjugá-las à autoridade dos maridos e tirar-lhes os filhos em caso
de divórcio.
Esse pensamento de Stanton se derivou do seu ideal
abolicionista, vez que viu, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), a
oportunidade de igualar os direitos na sociedade. Com a libertação dos escravos
negros no país norte-americano, surgiu a esperança de que as mulheres, tal como
os negros, adquirissem o direito a voto. Porém, ao contrário do que se
desejava, apenas os ex-escravos, homens, adquiriram o sufrágio, momento em que
o voto feminino se tornou o tema central do movimento pelos direitos da mulher.
Com o passar dos anos, tanto Stanton como outras mulheres
deram início a uma série de Associações, que visavam à igualdade entre os
gêneros, em especial no que tangia o voto. Mesmo que seguindo por opiniões e
métodos distintos, a finalidade de todos era, de modo geral, a mesma: o
sufrágio.
Ao mesmo tempo, na Europa, desenvolveu-se um movimento
operário apoiado pelos sindicatos e partidos socialistas, que estimulavam o
sindicalismo e a participação das atividades políticas desenvolvidas por tais
partidos. Dentre as reformas que pretendiam alcançar, estavam: o
reconhecimento do direito de voto para todas as mulheres, o acesso à educação, um
sistema educativo baseado na coeducação, uma reforma legal que facilitasse a
obtenção do divórcio, o reconhecimento do direito das mulheres a limitar o
tamanho de sua família como seu direito pessoal mais inerente e, finalmente, a
socialização das tarefas domésticas, por meio de serviços como lavanderias,
restaurantes populares, creches etc.
Destaca-se, porém, que nem todos
os homens da social-democracia alemã viam com bons olhos o desejo de suas
companheiras de alcançar a sua emancipação, vez que continuavam acreditando que
a mulher era intelectual e socialmente inferior.
As mulheres sempre foram marginalizadas porque os
homens de todas as classes e partidos sempre lhes negaram uma existência
autônoma. (Simone de Beauvoir)
Surge,
então, outro nome no movimento sufragista (feminista e socialista): Clara
Eissner Zetkin (1857-1933). A alemã tinha como intuito, dentre tantas outras
coisas, confrontar a noção “tradicional” da mulher como dona de casa, calada e
submissa, que ainda dominava a mente de muitos homens e, até mesmo, mulheres.
Quanto
ao Dia Internacional da Mulher, teve sua primeira celebração em 1909 em
diferentes dias de fevereiro e março, a depender do país. Nos Estados Unidos,
precursor da comemoração, o Partido Socialista Americano designou o último
domingo do mês de fevereiro (28/02/1909) como Woman’s Day. Ante ao sucesso da ideia, surgiu a expectativa de que
a jornada passasse a ser anual e assim ocorreu; no ano seguinte, 1910, a
celebração aconteceu também no último domingo do fevereiro (28/02/1910),
contando novamente com o apoio do PSA.
Posteriormente, ainda em 1910,
Zetkin propôs uma celebração anual das lutas pelos direitos das mulheres
trabalhadores, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres
Socialistas (Copenhague, 26 de agosto de 1910), sem, contudo, fixar uma data
específica. Na oportunidade, também foram discutidos temas como o voto feminino
universal, a proteção social para mães e filhos e a aprovação de medidas para
assegurar relações mais regulares e firmes entre as mulheres socialistas de
todos os países.
De acordo com as organizações políticas e
sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades
organizarão em seus respectivos países um dia especial das mulheres, cujo
principal objetivo será promover o direito de voto das mulheres. Será
necessário debater esta proposição com relação à questão da mulher a partir da
perspectiva socialista. Esta comemoração deverá ter um caráter internacional e
será necessário prepará-la com muito esmero. (Clara Eissner Zetkin)
Mas, conforme a historiadora
Renée Côte, o compromisso deste partido só se deu devido ao temos de que quando
as mulheres alcançassem o direito ao voto, votassem em outros partidos que não
o PSA. Isso ficou ainda mais evidente após mudanças internas no partido,
deixando a pauta das mulheres de lado e, principalmente, afastando o “poder de
decisão” delas nas reuniões.
Em 1911, a data escolhida para
a celebração na Alemanha foi 19 de março, em memória ao ocorrido no mesmo dia
em 1848, quando Guilherme I da Prússia prometeu – e descumpriu –, dentre outras
coisas, o sufrágio feminino. No mesmo ano também houve comemoração na Áustria,
Dinamarca, Suécia e em outras nações europeias.
Já nos Estados Unidos, ocorreu
em 25 de março de 1911 o fato que muitos atribuem como o pontapé do Dia
Internacional das Mulheres: o incêndio na fábrica The Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque. Foram ao menos 146
vítimas fatais, das quais 123 eram mulheres, gerando revoltas principalmente
pelo fato de que foram as condições do prédio que impediram o resgate destas
pessoas, já que as portas eram trancadas pelos empregadores, o ambiente era
superlotado e as saídas de emergência inadequadas. A partir de então,
sindicatos e ligas passaram a organizar protestos em busca de melhores
condições de trabalho.
Outro grande marco ocorreu em
1917, sendo ainda mais importante naquilo que viria a ser o Dia Internacional
das Mulheres. Em 08 de março (calendário gregoriano; pelo calendário soviético
a data era 23/02) na URSS ocorreu a primeira manifestação de trabalhadoras por
melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada do país na Primeira
Guerra Mundial.
Os acontecimentos de 23 de fevereiro de 1917 são
importantes, não só porque deram origem à revolução e porque foram
protagonizados por mulheres, mas também porque, como tudo parece apontar, esses
acontecimentos foram os que fizeram que o Dia Internacional da Mulher passasse
a ser comemorado, sem mais alterações de data até hoje, no dia 8 de março. (Ana Isabel Álvarez
González)
Com a posse do governo Bolchevista, foram decretadas leis,
códigos e reformas proclamando a igualdade de gêneros na, ainda, URSS.
Entretanto, tal direito foi novamente posto de lado no país a partir de 1928,
com a chegada de Stalin ao poder, junto com a sua política do “pleno emprego”,
a qual ignorava os direitos trabalhistas já conquistados, além de dificultar a
conciliação entre trabalho remunerado e doméstico.
Voltando aos Estados Unidos, foi em 1919 que finalmente o
sufrágio feminino foi reconhecido, com a adoção da Décima Nova Emenda à
Constituição. Todavia, isso só ocorreu para acabar com a contradição
estadunidense, que justificava sua entrada na guerra para “estender a
democracia a todo o mundo”, enquanto, dentro do próprio país, as mulheres eram
privadas de seus direitos.
Em 1921, foi celebrada a 2ª Conferência Internacional de
Mulheres Comunistas, com a participação de 82 delegadas oriundas de 21 países
diferentes. Na ocasião, uma delegada búlgara apresentou a proposta para a
oficialização do dia 08 de março como o Dia Internacional das Mulheres, em
lembrança ao ocorrido anos antes da URSS.
Com a ebulição da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a
data dedicada às mulheres não foi esquecida, embora tenham adquirido um novo
caráter. A ideia, a partir de então, era a necessidade de elaborar uma carta de
direito das mulheres, repensando seu trabalho como artífices da paz,
oportunidade que surgiu com a criação das Nações Unidas, pouco antes do final
da guerra.
Desta forma, nos anos seguintes, o Dia Internacional da
Mulher passou a ser uma data para elogiar o trabalho das mulheres ao longo da
guerra, além de reconhecer o direito de participar na construção de um “novo
mundo de paz”. Inclusive, em 1947, foi instituída nas Nações Unidas a Comissão
sobre o Status da Mulher, com a função de promover o reconhecimento e a conscientização
dos direitos políticos, econômicos e sociais da população feminina.
Ao final da década de 1960, com a segunda onda do movimento
feminista, o Dia passou a ser uma ocasião para reafirmar, em escala
internacional, a consciência feminista das mulheres, acobertando a marca
comunista original. Para isso, a própria ONU omitiu a relação da celebração com
o comunismo, mostrando a intenção de que o Dia Internacional da Mulher se
tornasse uma celebração na qual as reivindicações femininas ficassem integradas,
em um marco muito mais amplo.
Por
fim, é importante destacar que associar o 8 de março, única e exclusivamente à
flores e chocolates acarreta em um esquecimento do real motivo da existência da
data, além de reduzir as mulheres a estereótipos já conhecidos. Nesta data,
mais do que presentear, é importante refletir as ações tomadas ao longo de todo
o ano, valorizar as mulheres e suas produções, de modo a inseri-las, de fato,
no lugar que as é de direito: a sociedade.
Esse dia tem uma importância histórica porque
levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A desigualdade de gênero
permanece até hoje. As condições de trabalho ainda são piores para as mulheres.
[...] Já faz mais de cem anos que isso foi levantado e é bom a gente continuar
reclamando, porque os problemas persistem. Historicamente, isso é fundamental.
(Eva Blay)
Nota: as informações
contidas neste texto foram obtidas através da leitura da obra “As Origens e a
Comemoração do Dia Internacional das Mulheres”, da pesquisadora Ana Isabel
Álvarez González.
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