Por Helem Keiko Morimoto**
Você sabia que em pleno século
XXI, ainda era permitido, NO BRASIL, em determinadas situações, o casamento de
adolescentes menores de 16 anos de idade?
Em análise ao Código Civil de
1916, nota-se que a simples falta de capacidade já acarretava o impedimento
matrimonial, o que de fato, não ocorre no atual código, na medida em que o
artigo 1.517 dispõe o seguinte: “O homem
e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos
os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade
civil.”
Porém, como toda regra possui uma
exceção, o artigo 1.520, do Código Civil, antes da nova redação dada pela Lei
13. 811 de 2019, declarava que: “Excepcionalmente,
será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517),
para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.
Ou seja, excepcionalmente, indivíduos sem idade núbil poderiam se casar quando houvesse a gravidez ou o intuito de evitar uma imposição criminal - esta última estava em consonância com o artigo 107 do Código Penal, em que se previa, no seu inciso VII e VIII, que nos
Assim, no primeiro caso, era permitido o casamento para que fosse assegurada a paternidade do nascituro, com a finalidade de evitar que a criança nascesse sem ter pai conhecido. Destaca-se que as adolescentes com idade inferior a 16 anos que se casassem grávidas não poderiam ter o casório anulado. Porém, não havendo a gravidez, a união poderia ser anulada, com base no inciso I, art. 1.550 do Código Civil por não ter completado a idade mínima. Neste caso, outro ponto importante a ser preenchido era o da obtenção do consentimento para a cerimônia, de modo que era necessário tanto a autorização dos pais ou responsáveis legais quanto dos próprios nubentes.
Em caso de inobservância de
qualquer das exigências, o casamento seria impedido e poderia acarretar
possíveis perdas do poder familiar em relação a estes menores impúberes.
Ainda, conforme o artigo 1.631, parágrafo único, do Código Civil, a própria autoridade judicial poderia decidir, nos casos em que não houvessem acordo entre os pais acerca do consentimento, bem como o magistrado poderia suprir a denegação de ambos os pais, quando injustas, com fulcro no art. 1.519 do CC.
Já em relação à segunda hipótese
de casamento que possuía a finalidade de evitar a imposição ou cumprimento de
pena criminal, esta restou prejudicada, tendo em vista que foi revogada
tacitamente pela Lei nº. 11.106/05, os incisos VII e VIII do art. 107 do Código
Penal, que admitiam a extinção da punibilidade do casamento do agente com a
vítima, ou da vítima com terceiro.
Sobre isto, Inácio de Carvalho Neto defende que:
Nos casos
do art. 1.520, não diz a lei a partir de que idade pode se dar a autorização
judicial para o casamento. Mas a autorização judicial não dispensa o
consentimento do próprio nubente, pelo que se deve ter em vista a
possibilidade de o nubente se capaz de consentir. Obviamente, ninguém ousaria
autorizar o casamento de uma criança na primeira infância, v.g., que foi
estuprada, para permitir a extinção da punibilidade do ofensor.
Desta forma, verifica-se que o
casamento de adolescentes era permitido, devendo haver o consentimento dos pais
ou responsáveis legais ou a autorização judicial do magistrado.
Ocorre que a partir do dia 13 de março de 2019, ao ser publicada a Lei de nº. 13.811, foi expressamente proibido o casório de pessoas menores de 16 anos. A nova redação do artigo 1.520 dispõe que: “não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.
Esta Lei, adveio do Projeto de Lei nº. 7119/2017, criado pela ex-Deputada Federal Laura Carneiro, com o intuito de alterar o artigo 1.520 do Código Civil, sob a justificativa de que o Brasil é o quarto país em números absolutos com mais casamentos infantis no mundo, eis que três milhões de mulheres afirmaram que se casaram antes de completar 18 anos de idade. Ressalta que de acordo com o estudo da Organização Não Governamental Promundo, 877 mil mulheres brasileiras casaram-se com até 15 anos e que, atualmente, existiriam cerca de 88 mil meninos e meninas entre 10 e 14 anos em uniões consensuais, civis e/ou religiosos no Brasil.
A ex-Deputada, também, afirmou que
a exceção ante a gravidez é uma legislação incompatível com o os avanços da
ciência e das políticas públicas, tendo em vista os prejuízos psicológicos e
sociais da união. Já em relação a segunda exceção, em que pese tenha sido
expungida do ordenamento jurídico por força da Lei 11.106/2005, a presença da
sua redação, ainda, atenta contra a dignidade das crianças.
Em fevereiro de 2019, o Senado aprovou o PLC 56/2018, que tramitou como PL 7119/17 na Câmara de Deputados, sendo que o Presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei em 12 março de 2019, proibindo o casamento em qualquer circunstância aos menores de 16 anos.
Desta forma, com a alteração supracitada, todas as exceções legais que permitiam a realização do casamento infantil foram extintas.
O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES:
Questionados pelo Blog
“Unicuritiba Fala Direito” sobre o casamento infantil, os professores de
Direito de Família e Sucessões responderam de forma clara e direta:
Professor Waldyr Grizard: “A lei não trouxe vantagem, pois no caso em
que houver uma relação entre uma adolescente de 13 anos e um homem de 20 anos,
por exemplo, e desta união resultar uma gravidez, além de não possibilitar o
casamento, o genitor será preso e a mãe ficará no desamparo. Portanto, a lei
prejudica mais do que facilita. A lei retira a ideia de que a criança deve
nascer no seio de uma família, pois a criança nascerá no seio de nada. Não
haverá núcleo familiar, terá uma mãe sozinha, criando sozinha, prejudicando seu
desenvolvimento e entrando na evasão escolar. A válvula de escape é a União
estável. Outro ponto a ser questionado é: quem terá o poder familiar sobre a
criança? A adolescente ou os avós?
O artigo 1.550 do CC previa que poderia haver a anulação de casamento
apenas para os maiores de 16 anos, portanto, o menor nunca pode se casar.
Ressalto que o juiz, ao analisar processo, questionava os indivíduos se
eles tinham discernimento do que era o casamento e de todas as
responsabilidades. O juiz poderia não liberar o casamento infantil.
Portanto, o atual 1.520 do CC, é prejudicial por não atender a
excepcionalidade que a lei anterior previa. A criança nascerá numa família
desestruturada. Haverá dano físico, mental e psicológico”.
Professora Camila Bresolin: “Acredito
que a alteração é bem-vinda, justamente em função da incongruência que gerava,
dentro de uma mesma lei (o Código Civil de 2002). Sem contar que, de acordo com
o Estatuto da Criança e do Adolescente, a pessoa maior de 12 menor e de 18 anos,
é adolescente, e portanto, é pessoa em formação. Viabilizar o casamento para
alguém nesta fase da vida, talvez pudesse levar à antecipação de fases
importantes na vida e na formação de pessoas muito jovens.
Entretanto, não existem só motivos para comemorar. A Lei 13.811/2019
alterou o artigo 1.520, mas esqueceu de mencionar o artigo 1.551, do Código
Civil de 2002. Este artigo prevê que não será anulado, por motivo de idade, o
casamento de que resultou gravidez, ou seja, ainda está escrito na nossa
legislação, que quem casar, em qualquer idade, desde que haja gravidez, terá
casamento válido”.
Professora Adriana Martins: “Concordo com a proibição do casamento para
pessoas que não atingiram a idade núbil (16 anos) pela própria lacuna legal
antes da sua alteração. Ocorre que se permitia o casamento sem o requisito da
idade núbil nos casos excepcionais previstos no artigo 1517 do mesmo diploma
legal, mas o legislador simplesmente se omitiu quanto a possibilidade de
menores de 16 anos se casarem se preenchidos os requisitos do artigo mencionado.
Ora, criou-se uma vulnerabilidade e instabilidade permissiva....na violação de
direitos indisponíveis e fundamentais quando se possibilita um casamento para
criança ou adolescente menor que 16 anos. Esses sujeitos de direito devem ser
resguardados, protegidos, amparados e respeitados , pois de outro modo a
própria dignidade humana estaria sendo massacrada”.
REFERÊNCIAS:
CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família, 3 ed. Curitiba:
Juruá, 2007. p. 363.
LUZ, Valdemar da. Manual de Direito de Família. 1 ed. Barueri: Manole, 2009, p 16 -
18.
OLIVEIRA, James Eduardo. Código civil anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1455.
SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e sucessões. 7 ed. São Paulo : Atlas, 2014, p. 14 –
15.
BRASIL. Lei nº 13.811, de 12 de março de 2019.
Confere nova redação ao art. 1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), para suprimir as exceções legais permissivas do casamento
infantil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 12 de
março de 2019. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6259.htm>.
** Helem Keiko Morimoto é acadêmica do nono período
de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala
Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
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