30/04/2019

Especial - Dia do Trabalhador: A importância da Justiça do Trabalho







Por Giovanna Maciel**



Hoje, na maior parte do mundo, comemora-se o Dia do Trabalhador. Mas, porque celebrar esta data? E, como muitos perguntam, qual o papel da Justiça do Trabalho na atualidade?? Caso você, caro estudante de Direito, ainda se pergunte isso, senta que lá vem história...



DIA DO TRABALHADOR



A Revolução Industrial foi marcada por uma crescente exploração da força de trabalho. Após uma série de greves e manifestações ao redor do mundo reivindicando a redução de jornada de trabalho, os direitos dos trabalhadores começam a ser reconhecido. Em homenagem às lutas dos primeiros movimentos sindicais, hoje celebra-se o dia do trabalhador.

A escolha da data se deu em homenagem à uma greve que aconteceu em Chicago (EUA), em 1º de maio de 1886, que resultou na morte de manifestantes e policiais.

Em 1889, no Congresso Internacional Socialista em Paris  adotou uma resolução de uma mobilização anual, em todo 1º de maio, em favor da jornada máxima de 8h de trabalho (até então, a jornada excedia 13h diárias). No ano seguinte, milhões de trabalhadores ao redor do mundo realizaram uma greve geral, desfilando pelas ruas de suas cidades e demonstrando o apoio à causa trabalhista. A partir daí, o dia passou a ser chamado de “Dia do Trabalho”, comprovando o poder de organização dos trabalhadores em âmbito internacional.

          Já no Brasil, houve forte influência dos imigrantes europeus, os quais trouxeram ideias sobre princípios organizacionais e leis trabalhistas implantadas na Europa. Em 1917 ocorreu a primeira Greve Geral e em 1924  o dia 1º de maio foi decretado como feriado nacional pelo então presidente Artur Bernardes. Posteriormente, com Vargas, a nomenclatura foi alterada para “Dia do Trabalhador”, destacando não apenas os protestos que marcam a data, mas, também, a comemoração com desfiles e festas populares.

          Sendo assim, esta data, carregada de simbolismos para o mundo do trabalho e seus atores sociais, deve servir também como um momento de reflexão sobre o tema e, em especial, sobre a  importância da Justiça do Trabalho, que tem sido questionada, paradoxalmente, até mesmo por trabalhadores iludidos por discursos políticos que atribuem à ela a responsabilidade por mazelas econômicas como o desemprego.



JUSTIÇA DO TRABALHO



          Conforme informações do próprio TST[2] – Tribunal Superior do Trabalho – a história da Justiça do Trabalho se inicia no Brasil em 1923, com a criação do Conselho Nacional do Trabalho, sendo posteriormente ampliado, organizado e regulamentado, culminando na instalação da Justiça do Trabalho em 1941 e a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.

          Em breve análise histórica até se chegar a sua instalação, temos a incidência de duas Constituições – 1934 e 1937 –, as quais entenderam a necessidade da instituição da Justiça do Trabalho, sendo que em 2 de maio de 1939, através do Decreto-Lei nº 1.237, ela foi, finalmente, organizada. Todavia, foi apenas em 1º de maio de 1941 que Getúlio Vargas decidiu oficialmente instalá-la, em meio às comemorações do Dia do Trabalhador.

          Na época, a Justiça do Trabalho tinha como órgão máximo o Conselho Nacional do trabalho e, como intuito, criar um espaço ideal para que, com a mediação do poder público, empregados e patrões resolvessem suas disputas, com a finalidade de evitar ainda mais conflitos e possíveis greves. Ao passar dos anos, foram realizadas diversas alterações nas nomenclaturas dos órgãos compositores, bem como estruturais, até chegar ao nosso modelo atual.

          Entretanto, toda esta estrutura organizacional da JT voltou a ser questionada recentemente, na troca de presidentes e alteração das pastas de trabalho. Cogitou-se, inclusive, extingui-la, somando as causas trabalhistas a já assoberbada e lenta Justiça Comum.

          Neste sentido, é de se destacar que segundo o CNJ[3], o tempo médio de tramitação de um processo trabalhista até ser baixado, no primeiro grau, é de 11 meses, enquanto a média geral nessa fase é de 18 meses. Na fase de execução, temos o tempo médio de 3 anos e 4 meses na JT, contra 4 anos e 10 meses na Justiça Comum.

Além de mais célere, a Justiça do Trabalho também é especializada e encontra-se estruturada de modo a mitigar a vulnerabilidade do empregado.

Isto é, a Justiça foi criada para defender o direito dos trabalhadores, dando a eles a segurança de restituição aos direitos que são ou que foram violados. 



É´ na Justiça do Trabalho que um trabalhador despedido sem nada receber poderá resolverá essa lesão e ter acesso, por exemplo, ao seguro-desemprego. Também é na Justiça do Trabalho que questões relativas ao ambiente de trabalho, a acidentes e doenças profissionais são resolvidas. A Justiça do Trabalho é o parâmetro para uma concorrência mais leal entre os empregadores, pois ao fiscalizar e exigir o cumprimento das normas trabalhistas acaba por prestigiar o bom empregador.[4]



Batista[5] vai um pouco mais além, afirmando que a justiça trabalhista representa o equilíbrio entre as disparidades sociais existentes, aplicando a justiça entre os economicamente desiguais. É através dela – JT –, que se busca compensar a desproporcionalidade em uma relação de trabalho, protegendo uma classe menos afortunada do posto de vista econômico-social.

Mesmo com todo o aparato da Justiça do Trabalho, a efetividade das normas trabalhistas ainda encontram diversos obstáculos. Por isso, os trabalhadores precisam estar constantemente em alerta, já que a ameaça a Justiça do Trabalho é uma ameaça aos seus direitos.

          Diante de tudo isso, a relevância desta “justiça especial” fica mais do que explícita, mesmo que alguns só percebam isso no eventual cenário de sua extinção. Sem a sua existência, uma grande parcela da população (a mais carente) ficaria sem amparo jurídico, visto que as normas civilistas são completamente diferentes, tendo em vista tratar as partes em pé de igualdade. Desta forma, seriam extintos, automaticamente, princípios gerais como o da regra da aplicabilidade da norma mais favorável e o da regra da condição mais benéfica (“in dubio pro operaruim”), deixando a classe trabalhadora ainda mais desprotegida nas relações contratuais de trabalho.

         Depois de tudo isso, caso você ainda tenha qualquer dúvida sobre a relevância da Justiça do Trabalho na luta e garantia dos direitos do trabalhador, sinto lhe dizer, mas “Houston, we ‘have’ a problem[6]...  



O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES:



Questionada pelo Blog “Unicuritiba Fala Direito” sobre a extinção da Justiça do Trabalho, a Professora de Direito do Trabalho do UNICURITIBA Márcia Bruginski respondeu de forma clara e direta:



“Em novembro de 2017 a Lei 13.467/2017 implantou a chamada (antidemocrática) Reforma Trabalhista objetivando, entre outras coisas, reduzir o número de ações trabalhistas no Brasil. Já em entrevista exibida pelo SBT no dia janeiro de 2019 o Presidente Jair Bolsonaro expressou a intenção de extinguir a Justiça do Trabalho como uma continuidade da reforma laboral. É importante ressaltar que a Justiça do Trabalho cumpre importantíssima função no Brasil de combate a exploração do trabalho humano. É célere e eficiente, julgando e conciliando os dissídios individuais ou coletivos entre empregados e empregadores e outras controvérsias surgidas no âmbito das relações de trabalho. De tal modo que o seu fim só traz prejuízos ao trabalhador, representa grave retrocesso social e afronta ao amplo acesso à justiça, direito constitucionalmente garantido aos brasileiros”.


[1]HISTÓRIA do Dia do Trabalho. Governo do Brasil. 28 abr. 2011. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/04/historia-do-dia-do-trabalho-1>. Acesso em: 28 abr. 2019.
[2]HISTÓRIA da Justiça do Trabalho. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho>. Acesso em: 28 abr. 2019.
[3] RELATÓRIO Justiça em Números destaca resultados da Justiça do Trabalho em conciliações. Tribunal Superior do Trabalho. 04 set. 2017. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/24416763>. Acesso em 29 abr. 2019.
[4] SEVERO, Valdete. Ainda (e sempre) em defesa da Justiça do Trabalho. Carta Capital. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/justica/ainda-e-sempre-em-defesa-da-justica-do-trabalho/#_ftn2>. Acesso em: 28 abr. 2019. 
[5] BATISTA, Thales Pontes. O conhecimento da importância da Justiça do Trabalho a partir de um exercício mental de sua fictícia extinção. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6024>. Acesso em 29 abr. 2019.
[6] Jack Swigert, astronauta tripulante da viagem Apollo 13, em 11 de abril de 1970. Frase original “Houston, we’ve a problem” adaptada no roteiro do filme Apollo 13, de 1995.

 ** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.

Talks Channel: Game of Thrones - A Filosofia de Cersei Lannister (Entrevista com Eduardo Seino Wiviurka)




A série de TV Game of Thrones está chegando ao fim, todo mundo quer saber o que vai acontecer no próximo episódio e fica imaginando qual caminho George R.R. Martin tomará nos livros. Nisso, o Cult Talks está correlacionando teorias filosóficas e Game of Thornes. Conversamos sobre a filosofia de Cersei Lannister.

Dentre os grandes nomes da história da filosofia Thomas Hobbes é o que mais se adequada para explicar as decisões da Rainha. Seja em relação aos seus súditos, inimigos, filhos, irmãos e até a como a coroa deve se relacionar com o poder religioso. Uma verdadeira aula a partir de uma das personagens mais marcantes de Westeros.


Clique aqui para assistir.

29/04/2019

Nova lei institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio


(O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Se estiver precisando de ajuda, ligue 188 ou clique aqui)


Por Alan José de Oliveira Teixeira**


Nova lei institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio

Foi publicada nesta segunda-feira (29) a Lei 13.819/2019[i], que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Segundo a lei, que terá vigência após noventa dias contados da data de hoje, a nova política pretende ter como estratégia permanente a prevenção da automutilação e do suicídio, assim como o devido tratamento das suas condicionantes. Para isso, o poder público agirá em cooperação – União, Estados, Municípios e Distrito Federal –, e contará com a participação da sociedade civil e instituições privadas.

Dentre os objetivos da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, está a garantia de acesso ao atendimento psicossocial de pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, em especial com histórico de ideação suicida. Outro ponto é a abordagem adequada dos familiares e pessoas próximas das vítimas de suicídio, inclusive lhes garantindo assistência psicossocial. Nesse sentido, a lei ressalta a importância de a sociedade entender o suicídio como um problema de saúde pública.

A Política ainda prevê articulação entre entidades de saúde, educação, comunicação, imprensa e polícia para a prevenção do suicídio, além da promoção de eventos e aprimoramento das coletas e análise de dados sobre o assunto. Desse modo, os estabelecimentos de saúde e de medicina legal fornecerão dados sobre automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados, com o fim de tornar mais efetivas as políticas públicas.

Com atendentes qualificados, o poder público disponibilizará canal telefônico para o atendimento sigiloso e gratuito de pessoas em sofrimento psíquico, segundo o regramento.

Aspecto polêmico previsto pela lei é a notificação compulsória, por hospitais públicos e particulares, às autoridades sanitárias, de casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada. Assim, por exemplo, se o posto de saúde tomar conhecimento de algum caso, deve notificar à Secretaria Municipal de Saúde.

O mesmo ocorre no caso de escolas públicas ou particulares que souberem de algum fato envolvendo violência autoprovocada. Mas, na hipótese, notificarão o respectivo conselho tutelar. Apesar da exigência de sigilo da notificação prevista pela nova legislação, levanta-se o debate a respeito de violação à privacidade e à intimidade dos pacientes e até mesmo dos alunos que, aparentemente, não seriam informados do envio de informações do seu caso às autoridades públicas.

O sistema de notificação, que dependerá de regulamentação adequada, será similar ao já previsto na Lei 6.259/75[ii], que cuida da notificação compulsória de doenças. De acordo com o sistema existente, são de notificação compulsoriamente doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, e as doenças constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde (dentre as doenças estão atualmente botulismo, cólera, dengue etc.)[iii].

Planos de saúde

Pormenor igualmente interessante é o dever, com a lei, de os planos de saúde incluírem cobertura de atendimento à violência autoprovocada e às tentativas de suicídio (art. 10).

Veto

O Presidente da República vetou o artigo 8º da lei, que previa a incidência de infração da legislação sanitária pelo descumprimento da política. Segundo o Presidente, “O dispositivo proposto equipara genericamente à infração sanitária o descumprimento das obrigações relativas à Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, sem pertinência temática direta com as hipóteses previstas no art. 10 da Lei nº 6.437, de 1977”.
   
Dados da OMS

Segundo dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 800 mil pessoas se suicidam por ano[iv][v]. Além disso, a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no planeta, sendo esta a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 19 anos, de acordo com a organização.




[i] BRASIL. Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 26 de abril de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13819.htm>.

[ii] BRASIL. Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975. Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 30 de outubro de 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6259.htm>.

[iii] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre os sistemas e os subsistemas do Sistema Único de Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0004_03_10_2017.html>. Verificar “Anexo 1 do Anexo V”.

[v] NACÕES UNIDAS BRASIL. OMS: quase 800 mil pessoas se suicidam por ano. Publicado em 10/09/2018. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/oms-quase-800-mil-pessoas-se-suicidam-por-ano/>.


** Alan José de Oliveira Teixeira, acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA, integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.




Me indica um filme? - 12 homens e uma sentença









Beatriz Andretta e Maria Vitoria Sabino
Acadêmicas do Primeiro Período de Direito do UNICURITIBA

O filme “12 homens e uma sentença", que se passa em uma sala do júri de um tribunal americano na cidade de Nova Iorque, baseia-se em um caso de assassinato (supostamente) executado por um garoto de 18 anos; ele teria esfaqueado seu pai dentro de seu apartamento. O caso foi encaminhado por um Tribunal do Júri, o qual, formado por 12 homens, teria que seguir a determinação do juiz de, unanimemente, condenar ou absolver o réu à cadeira elétrica. 

Logo nas primeiras cenas, pode-se notar o grau de grandiosidade atribuído ao Tribunal; visto em seu plano superior, a câmera desce, lentamente, passa pela audiência e, por fim, concentra-se no rosto do acusado, angustiado. É o único momento em que vê-se sua face.

Em seguida, os doze  jurados entram na sala de votação, para que o dispositivo institucionalizado possa se concretizar. Onze deles, votam pela culpabilidade do jovem, enquanto somente um (jurado #8) – impelido pela clemência cabida e pautado em elementos lógicos – votou pela sua inocência; prezava por uma dúvida racional e um debate mais bem elaborado, haja vista que a maioria julgava com pressa e sem um profundo embasamento, além de não estarem focados. Nos termos expostos por Hans Kelsen: as relações fáticas, do ponto de vista jurídico, não se ligam ao princípio da causalidade, mas sim ao da imputação. Assim, conforme à postura do jurado #8, não é o fato em si de o garoto ter cometido o homicídio que o constitui pela norma jurídica, mas a possibilidade de um órgão competente verificá-lo.

Durante a argumentação, um dos jurados utiliza-se do perfil do garoto e de sua vivência para embasar seu posicionamento pró-condenação; o menino, que teve sua infância marcada pela morte precoce da mãe e prisão do pai e, desde muito cedo, esteve inserido em um contexto de violência, por esse viés discriminatório atrelado à visão determinista, só poderia ser um criminoso. Baseando-se nisso, foi tipificado pelo jurado como um culpado incontestável. Além disso, o seu histórico criminal já continha um roubo de carro com 15 anos, duas detenções por brigas com faca e uma retenção no juizado de menores por jogar uma pedra no professor, corroborando a argumentação a favor de sua punição. 

            Analisando sequencialmente os fatos, o júri recorda o suposto desencadeamento do caso: uma discussão entre pai e filho por volta das 20h. Segundo o testemunho do réu, seu pai o teria socado duas vezes naquela noite. Entretanto, esse tipo de agressão sempre foi recorrente em sua vida; defendia-se com os próprios punhos desde os 5 anos de idade. Assim, a partir dessa análise, aqueles que haviam votado a favor de sua condenação acreditavam que esse teria sido o motivo do assassinato, principalmente, é claro, pelo fato de o acusado ser morador da favela. 

Nesse momento, percebe-se um preconceito por parte desses jurados, uma vez que fundamentam seu posicionamento em critérios deterministas. Descrevem a favela como um ambiente de sujeitos imundos, insignificantes e, sobretudo, que representam problemas em potencial para a sociedade. Ademais, não por coincidência, o jurado, especificamente, que anteriormente relatava seus problemas particulares com seu filho adolescente, atribui à geração do garoto um caráter desrespeitoso, especialmente para com seus pais – um agravante para o comportamento que lhe incumbiria a responsabilidade pelo homicídio. 

Diante disso, o jurado #8 utiliza-se do encadeamento lógico de ideias e consegue estabelecer uma dúvida razoável e, alguns, têm sua certeza desestabilizada. O clima a ser construído é de uma discussão polarizada, repleta de angústia e dúvida, evidenciando a fragilidade da justiça e a imprescindibilidade da imparcialidade. Em suma, a justiça, como parte do meio social, reflete estereótipos dos quais deveria abster-se.

Perturbados pelo calor, seguem a discutir a cronologia dos fatos entre brigas e constante irritação, que certamente não colaboram com a progressão do julgamento. Sem demora, o júri decide por uma nova votação e, não surpreendente na perspectiva lógica, o grupo dos jurados a favor da absolvição do caso aumentara (como só aumentará até o final do filme). À vista disso, infere-se que o preconceito e o julgamento precipitado só levam o homem ao erro; nesse contexto, à condenação de um ser inocente pela falta de clareza dos fatos.

Por fim, o terceiro jurado, que até então impunha-se severamente em vista da condenação do jovem e parecia irredutível em seu parecer, muda de posição e revela sua fragilidade pessoal: o trauma de ter sido agredido e abandonado por seu filho. Extremamente passional, ele projetava a figura de  seu próprio filho no garoto latino e, por meio de um processo psicológico complexo, ele condenava seu filho e não o acusado.

Pela análise do filme, atrelada à noções teóricas dos campos do Direito e da Filosofia, ficou demonstrado que a decisão jurídica não se resume a um silogismo, que se restringiria à exposição declaratória e mecanicista da norma geral, mas por um discurso hermenêutico complexo, resumido pela ideia de “fato juridicamente comprovado”. Jamais saberemos se o garoto matou ou não seu pai; há uma lacuna impedindo que a verdade factual seja captada pelo Direito. 

Mais que isso, apesar da trama envolvendo os doze jurados, o réu, as testemunhas e todas as suas realidades conturbadas, a discussão transpõe o íntimo das personagens, inserindo frases, pensamentos e reflexões riquíssimas no meio da narrativa. O que nos leva ao aspecto instigante do filme: ficamos presos e angustiados na sala do júri, comparamos os discursos, colocando-nos quase na posição de analistas psicológicos dos personagens e percebemos, de forma semelhante ao que acontece na realidade concreta de um julgamento, que as narrativas são contraditórias e discordantes entre si. E é justamente essa experiência zetética que prende nossa atenção, a fim de assimilarmos todas as intrínsecas relações entre a verdade e a justiça no processo judicial, presentes tanto no filme, como além das telas.



Talks Channel: entrevista com o Professor Dennys Girardi sobre o Dia Mundial da Educação.



No dia 28 de abril comemoramos o Dia Mundial da Educação. Essa data é importante para nos conscientizar sobre a importância da Educação, quer seja a escolar, social ou familiar, para o desenvolvimento de valores essenciais na vida em sociedade. O Talks Channel entrevistou o Professor Dennys Girardi, o qual explicou a importância de celebrarmos a data. Também conversamos sobre a relação entre educação e desenvolvimento social e o papel das instituições de ensino.

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25/04/2019

Opinião - Para não esquecer (80 balas de fuzil)



IMAGEM: Para não esquecer, 80 balas de fuzil, e foto “Parem de Atirar em Nós”: ato em SP cobra justiça por Evaldo Rosa dos Santos
(Rosa Caldeira/Ponte Jornalismo).




Por Rafaella Pacheco**

1.     O erro de Clarice, o meu, o nosso
Em 1964, foi publicado o livro Para não esquecer, constando crônicas e desabafos, de Clarice Lispector. Uma crônica, em especial, merece nossa atenção por sua corrosiva atemporalidade. Mineirinho é considerado pela escritora um de seus textos favoritos, dada a revolta pulsante nele contida, pois relata o fuzilamento de José Miranda Rosa, de vinte e oito anos, que ocorreu no dia 29 de abril de 1962. Rosa, estimado no morro da Mangueira, conhecido pela alcunha de Mineirinho, por conta do estado em que havia nascido, foi assassinado por policiais com treze tiros, e teve seu corpo encontrado no quilômetro 4 da Estrada Grajaú-Jacarepaguá.
A autora volta para si, para compreender a gravidade do assassinato de Mineirinho. Ao iniciar um diálogo com sua cozinheira sobre o fato, descreveu em seu texto, o que denominou de “violenta compaixão da revolta”, um sentimento que ambas compartilhavam sobre o que recentemente havia ocorrido, mas que manifestaram, uma a outra, silenciosamente. Mineirinho era um criminoso, mas merecia ele ter morrido? Lispector se sentia culpada, e se viu nos olhos de sua cozinheira como a representação de uma justiça vingativa sobre os pecados do bandido.

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. (...) Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais — vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu — que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. (LISPECTOR, 1964)

            A escritora carregava a culpa de uma sociedade baseada na segurança de poucos em detrimento da violação de muitos. Ela percebeu que a sua casa, e a vida que possuía, foram edificadas de forma frágil e egoísta, legitimando uma falsa proteção de uma sociedade sonsa, mantendo para além de seus muros os marginalizados dos quais a justiça injusta diariamente violava, feria e matava. O erro de Clarice, o erro de nossa sociedade, e o meu erro, é a omissão diante das incessantes violações de direitos que a fundação do nosso país se estruturou e perpetuou. São os olhos que fechamos para a escravidão, para os estupros, para o trabalho e a violência infantil, para a xenofobia, para a LGBTfobia, para as violações à democracia, para as desigualdades sociais, para um sistema carcerário desumanizante, para um sistema de saúde e educacional em colapso... E, sob o manto da inércia, nos justificamos dizendo que nada pode realmente ser feito, ou desfeito, e então consentimos com esta falsa prerrogativa de segurança, com desculpas vazias que reforçam realidades tão desiguais.

Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. (LISPECTOR, 1964)

            Em seu texto Mineirinho, Clarice captou a essência de um Brasil preconceituoso e desigual que amparava seus atos de crueldade elegendo ídolos e desculpas dissimuladas para manter uma profunda e desequilibrada relação de poder, tão enraizada em nosso contexto histórico e político, que são batalhas ainda enfrentadas nos dias atuais. Cinquenta e cinco anos após a publicação da obra Para não esquecer, me peguei como Clarice, enfrentando meu erro diante do espelho: eu, uma mulher branca e com acesso a uma boa educação, inserida numa sociedade fundada no preconceito social e racial, tenho culpa pelo genocídio que ocorre todos os dias com negros, pobres, mulheres, crianças e todos os marginalizados dessa sociedade sonsa. Lispector enfatizou, vinte e quatro anos antes de nossa Constituição Cidadã, que o silêncio (dela, o meu e o seu) consente com a perpetuação de incessantes violações de direitos e garantias fundamentais que facilmente tomam a veste da normalidade e do esquecimento em nosso país.

2.     Os oitenta tiros na família de Evaldo Rosa dos Santos
Quase seis décadas depois dos treze tiros que tiraram a vida de José Miranda Rosa, oitenta tiros são disparados contra o carro da família de Evaldo Rosa dos Santos, de cinquenta e um anos, que estava a caminho de um chá de bebê, na tarde de domingo do dia 07 de abril. No carro estavam Evaldo e sua esposa Luciana dos Santos Nogueira, o filho mais novo deles, de sete anos, o pai de Luciana, e uma amiga do casal. Santos não resistiu e morreu no local, seu sogro, Sérgio Gonçalves, foi hospitalizado e recebeu alta no dia 11 de abril, e Luciano Macedo, que estava no local e havia prestado socorro à família de Santos, faleceu na quinta-feira do dia 18 de abril.
            Santos era músico e Macedo era catador de materiais recicláveis, ambos foram vítimas dos oitenta tiros disparados de fuzis do Exército Brasileiro daquela fatídica tarde de domingo, no bairro carioca de Guadalupe. Num primeiro momento os militares justificaram a ação como uma reação a uma “injusta agressão”, pois o carro de Santos havia sido confundido com outro veículo que estaria ligado a um assalto recente. Mas, dada a inconsistência dos relatos dos militares que não estavam em conformidade com as denúncias dos familiares e presentes na tragédia, o Comando Militar do Leste (CML) emitiu, no dia 08 de abril, uma nota explicativa determinando o afastamento e encaminhamento dos envolvidos à Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
            No dia 10 de abril, uma outra nota oficial do CML informou sobre a realização de uma audiência de custódia referente à prisão de dez militares envolvidos na ação em Guadalupe. Na mesma nota, informaram que a Juíza Federal da Justiça Militar da União, decretou a prisão preventiva de nove dos dez militares, e que a competência, e futuros pronunciamentos, seriam exclusivos à Justiça Militar da União.
            Na sexta-feira do dia 12 de abril, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, em uma inauguração de um aeroporto em Macapá, reconheceu que houve um incidente no dia 07 de abril em Guadalupe, mas declarou, em sua fala, que o Exército não havia matado ninguém, uma vez que este faz parte do povo e por isso não poderia ser chamado de assassino, pois tal afirmação equivaleria a chamar o povo de assassino.
            Assim, como os oitenta tiros disparados no carro da família Santos, Bolsonaro acertou dois alvos em sua declaração: a não-verdade, seguida de uma verdade. A primeira consiste no fato de que duas vidas foram brutalmente assassinadas, a de Evaldo e a de Luciano. Negar isso é o mesmo que mentir sobre fatos concretos, registrados, vividos e sentidos pelos familiares destas duas vítimas. O segundo disparo verbal do presidente acertou a verdade lúcida de Lispector: somos, como povo, culpados. Somos todos assassinos e cúmplices da violação diária de direitos fundamentais que ocorrem em nosso país.

3.     A manutenção do mito da não violência brasileira
Parte da negação quanto a responsabilidade diante do cenário violento que nosso país se desenvolveu e consolidou, reside no que a filósofa Marilena Chauí chamou de mito da não violência brasileira. A autora enfatizou em sua obra que parte dessa mitologia brasileira, que mascara nosso constructo social violento, se deu por uma histografia que nos contou uma narrativa equivocada sobre a fundação de nosso país. O que se dizia transitar de forma pacífica e ordeira da colônia ao império e do império à república, sem derramamento de sangue, na verdade se realizaram através de golpes de Estado. E, outro ponto salientado pela filósofa sobre a narrativa política nacional brasileira foi o silenciamento das numerosas rebeliões e revoltas que constituíram as lutas por garantia de direitos em nosso país.
Chauí cita como exemplo da formação dessa identidade bondosa, una e indivisa da sociedade brasileira, a obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Considerada pela filósofa um “elogio da harmonia e da estabilidade nacionais conseguidas graças ao patriarcalismo patrimonialista” (CHAUÍ, 2017, p. 37). Edificou-se, então, uma imagem inverídica de uma nação generosa e sem preconceitos de raça, gênero, etnia, classe, religião ou política.
Mas, a pergunta que colocamos, diante de uma violência tão concreta, real e cotidiana — como oitenta tiros em uma família negra, ou os casos de estupros e feminicídios, ou uma barragem que se rompe levando vidas e devastando a cultura local da região, ou mesmo o assassinato de uma vereadora mulher, negra, mãe e cria da favela, e seu motorista —, como ainda mantemos essa farsa da não violência brasileira? Como negligenciamos a dignidade ferida e o genocídio social, cultural e racial existentes?

Ora, é justamente por ser um mito, nos sentidos que demos a esse conceito, que a não violência pode ser mantida a despeito da realidade. Em outras palavras, o mito da não violência permanece porque, graças a ele, admite-se a existência factual da violência e pode-se, ao mesmo tempo, fabricar explicações para denegá-la no instante mesmo em que é admitida. (CHAUÍ, 2017, p. 38)

            Podemos compreender o que Chauí nos diz por denegação e admissão da violência brasileira citando ao menos dois dos cinco mecanismos de manutenção do mito da não violência brasileira, apresentados pela autora em sua obra. Para isso, sugiro uma breve análise do sucinto pronunciamento presidencial sobre o fuzilamento ocorrido em Guadalupe. Num primeiro momento, Bolsonaro negou a responsabilidade do Exército no assassinato de Santos, visto que os militares, enquanto povo brasileiro, não poderiam ser chamados de assassinos — este, é o primeiro mecanismo pontuado pela filósofa, chamado de exclusão, que afirma uma identidade não violenta brasileira, isentando-a de qualquer relação no caso da violência vir a acontecer, pois tal ato não corresponde à essência pacífica de nossa nação. Em seguida, o presidente afirmou ter ocorrido um incidente que resultou na morte de um trabalhador honesto — e, este, caracteriza o segundo mecanismo, que assegura a manutenção do mito da não violência, denominado de distinção. Este, determina que por essência não somos violentos, mas caso a violência concreta ocorra em nosso território, por nossos iguais, ela é tida como acidental e efêmera.

4.     O genocídio do negro no Brasil
            Narrados os fatos ocorridos com Evaldo — sua família, e Luciano —, bem como compreendida algumas formas de cristalização da crença em uma sociedade brasileira una e pacífica, utilizadas para negligenciar, esquecer ou mesmo, como colocado por Lispector, justificar uma pretensa segurança pública, em atos violentos da realidade concreta: falaremos de desigualdade racial. E, este tópico é fundamental ao debate, pois a cor da pele de Evaldo, e de toda mulher, menina, homem e menino negros, foi e é um fator determinante no modo como suas vidas são valoradas em nosso país.
           
Parte da elite branca se esquiva em perceber o racismo ainda muito prevalente no país e, sobretudo, o racismo que mata. Confunde-se segregação racial com racismo – o primeiro é um caso particular do segundo. Mas os números são evidentes. Segundo nossos cálculos, mais de 39 mil pessoas negras são assassinadas todos os anos no Brasil, contra 16 mil indivíduos de todas as outras “raças”. Para além da extinção física, há milhares de mortes simbólicas por trás das perdas de oportunidades e de crescimento pessoal que muitos indivíduos sofrem, apenas pela sua cor de pele. São vidas perdidas em face do racismo no Brasil. (CERQUEIRA; MOURA, 2013, p. 15)

             Conforme a Nota Técnica nº10, de título Vidas Perdidas e Racismo no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou, em 2013, uma análise de dados que apresentou o cruel, e persistente, elo entre a letalidade violenta e a população afrodescendente brasileira, em vista do racismo aliado à situação socioeconômica. As informações examinadas por Cerqueira e Moura, em sua maioria relativas ao Censo 2010 (IBGE), confirmaram que nascer negro ou pardo no Brasil aumenta significativamente a probabilidade de sofrer um homicídio ou uma agressão, bem como exerce influência direta nas limitações enfrentadas para se inserir no mercado de trabalho.
            A tabela a seguir, retirada da Nota Técnica nº 10 do IPEA, foi utilizada por Cerqueira e Moura para refletir a respeito do racismo institucional. O que podemos concluir é que os números apresentados apenas ratificam a diferença no tratamento destinado aos não negros e aos negros e pardos. Tal distinção pode ser facilmente vista, empiricamente, se olharmos para os abusos e excessivos uso da força policial que são, por vezes, orientados pela cor da pele de suas vítimas.




 FONTE: IBGE, 2010, apud CERQUEIRA; MOURA, 2013, p. 6.

Abdias Nascimento, em seu livro O Genocídio do Negro Brasileiro, iniciou sua obra com a definição da palavra genocídio. Este substantivo masculino caracteriza-se por repudiar o direito de existência de grupos raciais, políticos e culturais que são desintegrados e exterminados, afim de desinstitucionalizá-los.
            Nascimento afirmou que, não apenas uma cultura violenta de sangue constituiu o que entendemos por nação brasileira hoje, mas também, outras tantas formas de violências veladas, ou mesmo institucionalizadas, foram usadas para exterminar o negro brasileiro. Em seu livro, o ativista pelos direitos civis e políticos das populações negras, apontou a visão equivocada que foi construída ao redor senhor de engenho na sociedade escravagista brasileira — aqui o autor também se referiu a obra de Freyre, a mesma citada por Chauí, fundamental para formação de um imaginário deturpado que ilustrava uma miscigenação harmoniosa entre senhores bons e escravos submissos.
            A obra de Nascimento é fundamental para compreendermos os mecanismos simbólicos e políticos utilizados para o genocídio do negro em nosso país. Dentre eles, está a exploração sexual da mulher africana; as políticas de embranquecimento da raça em prol de uma “democracia racial” que, para o autor, não passa de um maquinário monstruoso de inferiorização do negro em relação ao branco; bem como, os instrumentos de assimilação e aculturação fundamentais à bastardização e extermínio cultural afro-brasileira.

5.     Quero o terreno
O que construímos sobre nosso solo foi uma história marcada por sangue e lutas por reconhecimento de direitos. Como outrora proferido pelo jurista alemão Rudolf von Ihering (2010), “a vida do direito é uma luta: luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos”. Mas, conquistados tais direitos, não podemos negligenciá-los. Não podemos destiná-los apenas a uma pequena parcela privilegiada do país, enquanto a grande maioria continua a viver as mazelas de uma estrutura social, política e econômica desequilibrada.

(...) na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso — nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranquila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato. O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno. (LISPECTOR, 1964)

Ao final de seu texto, Lispector no faz perceber que seu maior desejo é chegar na base, na solidez, no lugar em que a verdade reside. A autora constatou, em sua reflexão sobre a morte de Mineirinho, que as paredes de sua casa eram frágeis, pois estas foram construídas e mantidas por mentiras, erros e uma concepção equivocada sobre segurança, sobre justiça e sobre o valor da vida. Treze ou oitenta tiros, não importa, porque aquele primeiro tiro de alerta já nos fere. Enquanto o corpo do negro, do pobre e de todo marginalizado sangra, e suas vidas definham, edificamos nossa sociedade em mitos e ilusões. É preciso olhar para o terreno, buscá-lo embaixo dessa casa — metáfora para a nossa construção social desigual, violenta e não acolhedora, que na verdade segrega e discrimina —, para encarar o fato de que ele foi, e continua sendo, regado por sangue.

REFERÊNCIAS

CERQUEIRA, Daniel R. C.; MOURA, Rodrigo Leandro de. Vidas Perdidas e Racismo no Brasil. Brasília: IPEA, 2013. Nota Técnica nº 10, 25 p.

CHAUÍ, Marilena. Sobre a violência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 1964.

NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra S/A, 1978.

NOITE, A. Polícia fuzilou “Mineirinho”: de luto Mangueira chora morte do bandoleiro. Rio de Janeiro: 02/mai/1962, p. 8.

PORTAL do Comando Militar do Leste. Nota do Comando Militar do Leste - Acerca dos fatos envolvendo militares do Exército que realizavam patrulhamento regular no perímetro de segurança da Vila Militar (RJ), no dia 7 de abril de 2019. Rio de Janeiro: CML, 08/abr/2019. Disponível em: <http://www.cml.eb.mil.br/conteudo-do-menu-superior/32-sala-de-imprensa/1689-nota-do-comando-militar-do-leste-acerca-dos-fatos-envolvendo-militares-do-ex%C3%A9rcito-que-realizavam-patrulhamento-regular-no-per%C3%ADmetro-de-seguran%C3%A7a-da-vila-militar-rj-,-no-dia-7-de-abril-de-2019.html>. Acesso em: 20/abr/2019.

_________. Nota do Comando Militar do Leste - Audiência de custódia relativa à prisão de dez militares envolvidos no incidente no último domingo. Rio de Janeiro: CML, 10/abr/2019. Disponível em: <http://www.cml.eb.mil.br/conteudo-do-menu-superior/32-sala-de-imprensa/1694-nota-do-comando-militar-do-leste-audi%C3%AAncia-de-cust%C3%B3dia-relativa-%C3%A0-pris%C3%A3o-de-dez-militares-envolvidos-no-incidente-no-%C3%BAltimo-domingo.html>. Acesso em: 20/abr/2019.

VASCONCELOS, Paloma. ’80 tiros em nós’: ato em SP cobra justiça por Evaldo Rosa dos Santos. São Paulo: Ponte Jornalismo, 2019. Disponível em: <https://ponte.org/80-tiros-em-nos-ato-em-sp-cobra-justica-por-evaldo-rosa-dos-santos/>. Acesso em: 20/abr/2019.



*** Rafaella Pacheco é formada em Artes Visuais pela UFPR, acadêmica do terceiro período de Direito do UNICURITIBA, monitora da disciplina de Filosofia da instituição e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.