Maria da Glória
Colucci[1]
A carência alimentar e nutricional
representa um complexo problema econômico e social, cujo enfrentamento exige
soluções imediatas das autoridades governamentais e da sociedade.
Aparentemente,
os obesos estão superalimentados, mas é comum apresentarem deficiências
nutricionais, pelo consumo desordenado de alimentos processados, sem as necessárias
proteínas e vitaminas essenciais ao equilíbrio biopsíquico do indivíduo. A
desnutrição causa uma série de reflexos no desempenho físico e intelectual da
pessoa, na vida secular e no trabalho.[2]
Políticas
emergenciais podem, às vezes, suprir o problema localizado da fome, em regiões
empobrecidas ou devastadas por intempéries ou desastres climáticos; no entanto,
apenas respostas estruturais podem enfrentar técnica e socialmente o problema
da fome. Investimentos em agricultura sustentável e capacitação de mão de obra
especializada em produção de alimentos hortifrutigranjeiros podem mudar o
cenário da fome no mundo e, em particular, no País.[3]
A
fome é um fenômeno comum, sobretudo, aos países do chamado “mundo
subdesenvolvido”, onde a baixa renda, a baixa escolaridade e a falta de acesso
a alimentos nutritivos geram uma legião de “famintos crônicos”, que vivem à
margem de qualquer condição social digna. A fome desestabiliza o indivíduo, sua
família e o grupo social do qual participa, afetando-os física e moralmente,
incapacitando-os para o trabalho, as relações sociais e a vida familiar.
A
fome, acompanhada da miséria, corrói os horizontes futuros do cidadão, retirando-lhe
perspectivas profissionais e, a longo prazo, prejudica seu desenvolvimento físico
e intelectual:
[...] a omissão dos poderes públicos
frente à realidade da fome, significa não apenas a violação a um direito
social, implica, sobretudo, na violação ao princípio da igualdade e da
dignidade da pessoa humana, uma vez que retira a sua capacidade primária de
enxergar-se um cidadão.[4]
Hábitos
alimentares direcionados para a promoção da saúde dependem de políticas
públicas educacionais, cujas orientações, sobretudo às populações menos
esclarecidas, precisam ser implementadas continuamente.
Os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, Agenda 2030), ressaltam, em dois
momentos distintos (ODS 1), o intuito de “acabar com a pobreza” e “acabar com a
fome “(ODS 2). Há interconexão do indisfarçável binômio fome-pobreza, conforme
se verifica na Agenda Global.[5]
O “mínimo existencial”, nas suas
leituras e releituras doutrinárias, no tocante à alimentação, se diferencia
conforme o padrão socioeconômico de cada sociedade, no entanto, não se pode
ignorar que corresponde ao suprimento das necessidades vitais básicas, dentre
as quais se inclui a alimentação conforme o Texto Constitucional vigente (art.
7º, IV).[6]
Como
suporte da vida, da saúde e do trabalho, a alimentação adequada promove a
sobrevivência digna e representa o arcabouço dos direitos fundamentais, em sua
plenitude individual e coletiva: não há vida e saúde sem alimentos em
quantidade e qualidade necessárias à subsistência humana de forma universal e
igualitária.
A
segurança alimentar e nutricional tem na Lei 11.346/06 a base, as diretrizes,
estruturas e demais instrumentos asseguradores do direito humano à alimentação adequada.[7]
Ao
criar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, o
legislador procurou regulamentar, minimamente, o direito à alimentação, com a
participação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de entidades
privadas (art. 7º, da Lei 11.346/06).[8]
Dentre
os alimentos essenciais, à qualidade de vida, encontra-se a água potável em
quantidade e qualidade suficientes, dependente, por sua vez, do saneamento
básico.[9]
No
Brasil, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) deixa à evidência
o caráter intersetorial, no que respeita à produção e ao consumo de alimentos,
no tocante aos fatores culturais que interferem em sua seleção pelos
consumidores, considerando-se as práticas e hábitos alimentares regionais.[10]
O
desenvolvimento cognitivo, sobretudo de crianças e adolescentes é fortemente
comprometido pela fome, conforme análise de Flávio Luiz Schieck Valente.[11]
A
miséria e a fome andam, infelizmente, de mãos dadas, retratando as
desigualdades sociais, que separem os cidadãos brasileiros em dois grupos: “os
que comem” e os que “passam fome”.
[1] Advogada. Especialista em Filosofia
do Direito (PUC-Pr). Mestre em Direito Público (UFPR). Professora aposentada da
UFPr. Professora titular de Teoria do Direito (UNICURITIBA). Membro do
Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro
da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do
Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de
Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos do UNICURITIBA. Escritora e poetisa, com vários prêmios em textos
jurídicos e poéticos.
[2] ABREU, Ana Kapin,
Gabriela. Socorro! meu filho come mal. Rio de Janeiro: Leya, 2014.
[3] COLUCCI, Maria da Gloria.
Soberania alimentar. Disponível em rubicandarascolucci.blogspot.com
[4] BISPO, Vanesca Freitas.
Direito fundamental à alimentação adequada: a efetividade do direito pelo
mínimo existencial e a reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2014, p.61.
[5] ONU. Transformando Nosso
Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em
www.sustainabledevelopment.un.org
[6] BRASIL. Constituição da
República Federativa do.1988. Disponível em www.planalto.gov.br
[7] BRASIL. Lei 11.346/06, 11
de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN. Disponível em www. planalto.gov.br
[8] BRASIL. Lei 11.346/06, 11
de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN. Disponível em www. planalto.gov.br
[9] COLUCCI, Maria da Glória.
Sede: fome de água. Disponível em rubicandarascolucci.blogspot.com
[10] BRASIL. PNAM – Política
Nacional de Alimentação e Nutrição. Disponível em www.bvsms.saude.gov.br
[11] VALENTE, Flavio Luiz
Schieck. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas (org). São Paulo:
Cortez, 2002, p.30-32
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