Chimamanda
Ngozi Adichie é uma escritora nascida em Enugu, na Nigéria, e escreveu romances
como Hibisco Roxo (2003), Americanah (2013) e o premiado Meio Sol Amarelo (2006), este último,
uma tocante narrativa sobre a Guerra do Biafra. Dentre suas obras, cabe
destacar um ensaio adaptado de uma conferência TED, de nome Todos devemos
ser feministas, que além de fundamental a todos que anseiam por uma
sociedade justa e feliz, traz uma marca presente a literatura de Adichie, o
feminismo. Sua escrita permite ao leitor acessar contextos diversos através de
envolventes delineações de gestos, memórias e vivências, que tornam a
identificação, ou mesmo a empatia, com as personagens e a narrativa em si, inevitáveis.
Adichie traz em suas obras uma
reflexão constante sobre o exercício da alteridade
em relações que trabalham questões
migratórias, de gênero, de identidade e de raça em ambientações sensíveis e
precisas que as contextualizam. A alteridade é basilar, não
apenas à autora nigeriana que a utiliza como um meio de embate e identificação
em suas obras, mas também à Antropologia, sendo trabalhada logo de início nas
aulas da disciplina propedêutica, do curso de Direito do UNICURITIBA. Com o
texto de François Laplantine[1],
minha querida professora, Karla Pinhel Ribeiro, iniciou a turma ao estudo do ser
humano em sua diversidade. O professor de etnologia francês, em seu texto, pontuou
que a descoberta da alteridade foi elementar à revolução epistemológica
da abordagem antropológica. Nas palavras do antropólogo:
Ela implica um descentramento radical, uma ruptura com
a ideia de que existe um “centro do mundo”, e, correlativamente, uma ampliação
do saber e uma mutação de si. (...) A descoberta da alteridade é a de uma
relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de
humanidade com a humanidade, correlativamente deixar de rejeitar o presumido
“selvagem” fora de nós mesmos. Confrontados à multiplicidade, a priori
enigmática, das culturas, somos aos poucos levados a romper com a abordagem
comum que opera sempre a naturalização do social.[2]
Logo, como podemos perceber
através da afirmação de Laplantine, a alteridade corresponde a uma relação com
o outro, que amplia nosso conhecimento sobre o que nos era desconhecido e sobre
nós mesmos. Ou seja, o exercício da alteridade nos promove autoconhecimento
enquanto humanidade. E, é neste ponto que a obras ficcionais de Adichie nos
toca de forma tão marcante. Ela promove imersões antropológicas à cultura
africana que molda suas personagens e, estas, nos são apresentadas em suas
relações, perspectivas e vivências. As narrativas possuem uma forte identidade
marcada por um olhar particular, o de uma autora mulher nigeriana negra, que
nos revela realidades tão distintas e sentimentos tão afins.
A leitura que recomendamos é a obra
No seu pescoço[3],
que contém doze contos de Adichie e, como a própria apresentação do exemplar descreve,
trata-se de uma obra que “explora a colisão entre duas culturas e as
consequências deste encontro para a alma humana”. A autora ao retratar situações
de instabilidades políticas e conflitos armados, trabalhando os atritos e
inquietações que cercam temas como migração e gênero, em ambientes domésticos,
acadêmicos e sociais, promove reflexões importantes sobre a alteridade e sobre
a mulher. Seus contos nos fazem ponderar sobre quem somos nós diante do outro,
diante das situações que se apresentam, e diante de nós próprios.
É uma obra que pode ser lida na
ordem que prouver ao leitor, pois cada conto apresenta personagens e situações
distintas que, como já mencionado, trazem a alteridade como fio condutor
através do olhar feminino sobre as relações e situações narradas. Com linguagem
acessível, a leitura torna-se rápida, mas ao final de cada conto exige-nos um
respiro para reflexões existenciais, sociais e culturais.
O primeiro conto do livro, A
cela um, apresenta-nos a história de um jovem rapaz, Nnamabia. É um conto
impactante que retrata o contato de Nnamabia com a violência, desde pequenas
contravenções da infância à violência do Estado dentro do sistema carcerário.
E, o ponto forte da narrativa reside no fato dele ser contado pela perspectiva
da irmã de Nnamabia.
O conto seguinte, trabalhado em
terceira pessoa, de título Réplica, apresenta a vida de Nkem uma mulher
nigeriana casada com Obiora, descrito como um homem nigeriano rico. Ela mora
nos Estados Unidos com seus filhos, enquanto seu marido morava nos dois países,
Nigéria e Estados Unidos, devido aos negócios. O conto traz os anseios e
aflições de Nkem em sua adaptação a um novo país, as imposições culturais implícitas
em ser uma mulher nigeriana casada e a construção de sua identidade. O
penúltimo conto do livro traça um paralelo com Réplica, de nome Os
casamenteiros, traz a história de Chinaza Agatha Okafor, narrada em
primeira pessoa. Ela, também nigeriana, casa-se com Ofodile Emeka Udenwa, que prefere
ser chamado por seu nome americano, Dave. Nesta história o eixo central reside
na assimilação e indignação de Chinaza deste novo contexto cultural que lhe é
imposto e ao mesmo tempo idolatrado por seu marido.
Uma experiência privada, é
o terceiro conto da obra (provavelmente o meu conto favorito de Adichie),
relata o encontro de Chika, uma jovem igbo de família cristã estudante de
medicina, e “a mulher”, uma feirante mulçumana que vende cebolas. Ambas se
refugiam em uma pequena loja abandona utilizada por elas como abrigo
improvisado durante um conflito armado, na cidade de Kano. É uma narrativa
extremamente sensível em que, o encontro entre duas pessoas tão diametralmente
opostas em crença, cor e classe, numa situação de medo e instabilidade encontram-se
espelhadas, em anseios e sentimentos.
O conto Jumping Monkey Hill,
é especial aos aspirantes a escritores, e principalmente às feministas, pois o
ambiente da narrativa se dá nos arredores da Cidade do Cabo, em que ocorre um
Workshop para Escritores Africanos. A personagem principal é a escritora Ujunwa
Ogundu, de Lagos, Nigéria, e o conto relata o encontro destes escritores, trata
de violência de gênero e o processo criativo de Ujunwa.
O conto que leva o título do livro
é inebriante, de início No seu pescoço coloca o leitor como personagem
principal da história, refere-se a personagem como “você”, e em duas páginas a
identificação torna-se inevitavelmente angustiante. Se você, mulher, já foi
estereotipada, ou diminuída, ou violada por causa da sua cor, ou por ser
mulher, se você vê a realidade desigual que a cerca, se já se sentiu invisível,
se sua angústia envolveu o seu pescoço quase deixando-a sem ar, então este é um
conto de Adichie que você não pode deixar de ler.
Estes são alguns dos contos que
mais me impactaram nestas férias, mas os doze contos de Adichie merecem a sua
atenção e reflexão. E, leitoras e leitores, espero que o contato com obras como
a de Adchie promova o exercício precioso da alteridade que nos faz questionar o
lugar que ocupamos no mundo, e o próprio meio que nos cerca.
Uma boa leitura a todxs!
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