A existência de sócios ocultos desnatura a sociedade empresarial. Logo, quando a companhia entra em falência, estes respondem solidariamente por eventuais prejuízos causados pela irregularidade societária. Com base neste entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
reformou totalmente a
sentença que isentou de responsabilidade alguns conhecidos nomes da indústria gaúcha no caso da falência de um jornal em Caxias do Sul, mantido por uma sociedade formada por quotas de responsabilidade limitada. No primeiro grau, vingou a tese do promotor de Justiça, de que a capitalização feita no veículo de mídia falido foi feita apenas com vistas à compra de espaço publicitário.
O colegiado no entanto, seguindo o mesmo entendimento do parecer do procurador do Ministério Público Ricardo da Silva Valdez, entendeu que os contratos de participação de sociedade e os recibos de pagamento de cotas de participação societária, firmados entre o jornal e as empresas mostram o ânimo associativo. Para o promotor, é irrelevante o fato de parte dos valores dos contratos se destinar formalmente à antecipação de publicidade, e não exclusivamente à participação social.
Segundo o parecer, os empresários se associaram para ampliar o jornal, ingressando como acionistas no intuito de torná-lo diário. Alterações promovidas na direção do jornal, destacou a peça, evidenciam a ingerência dos apoiadores na nova sociedade. Além disso, o desembargador-relator Luís Augusto Coelho Braga frisou que a sociedade contava com uma contabilidade própria, além de meios de controle da integralização do capital social, bem como de cobrança e de prestação de contas.
“Logo, não podem os apelados [empresários-réus] dar início a um projeto, injetar capital em uma sociedade, de forma não regulamentada e, quando frustrado, eximir-se de qualquer responsabilidade por não estarem arrolados no contrato social. É evidente a responsabilidade de todos os Apelados em relação ao passivo deixado, que inclui extensa lista de credores trabalhistas’’, concluiu o procurador no acórdão. A decisão, que foi unânime no colegiado, é do dia 30 de outubro.
O caso
A massa falida da Elo Editora e Artes Gráficas Ltda, que editava o semanário Folha do Sul, afirmou perante à 1ª Vara Cível da Comarca de Caxias do Sul que foi constituída e administrada por um grupo econômico que permaneceu oculto; ou seja, pessoas físicas e jurídicas que não apareciam no contrato social, dentre as quais: Agrale S/A; Alexandre Grendene Bartelle; Borrachas Vipal S/A; Consórcio Univias; Gerdau S/A; Lupatech S/A Pro Salute Serviços para a Saúde; Randon S/A; e Sindicato dos Trabalhadores na Indústrias Metal-Mecânica e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
O autor da ação indenizatória esclareceu que, desde 1999, os sócios ocultos administravam a empresa, tendo como grande objetivo transformar o semanário num jornal diário de Caxias do Sul. Como o projeto não vingou, sobreveio a bancarrota, com seus inevitáveis reflexos sobre empregados, prestadores de serviços, fornecedores e outros atores conectados com o projeto empresarial.
Sem dinheiro ou bens para quitar os débitos, a massa falida pediu a responsabilização civil dos sócios ocultos. Até porque, segundo a inicial, ‘‘a falência foi premeditada e frustrada’’.
Os réus contestaram a inicial. No mérito, a maioria alegou que sua relação com veículo não foi além da comercialização de espaços publicitários. Ainda: não houve a comprovação da existência de grupo econômico.
Compra de espaço publicitário
O juiz Darlan Élis de Borba e Rocha julgou improcedente a ação indenizatória, adotando, como razões de decidir, o parecer integral do Ministério Público estadual. Para o promotor de Justiça Alexandre Porto França, que assinou a peça, não ficou demonstrado que os valores recebidos pela editora foram provenientes do pacto firmado com os réus da ação, com o objetivo exclusivo de transferência de parte de suas cotas sociais.
‘‘Assim, apesar de existir contrato entre a autora e alguns dos demandados, observa-se que seu objeto não restou especificado exclusivamente como compra e venda de cotas do capital social da empresa, além do que, para sua perfectibilização, existia o dever da editora, denominada participada, [de] transformar o tipo jurídico da sociedade, o que, conforme verificado nos autos, não ocorreu, não tendo sequer sido procedida alteração societária na Junta Comercial, uma vez que a empresa estava em situação irregular’’, escreveu no parecer.
Na sua percepção, a eventual avença firmada entre as partes até poderia culminar na transferência de cotas da sociedade, mas tal não se concretizou, pela falta de cumprimento das disposições contratuais. Em outras palavras, tudo não passou da colocação de capital na editora, com o intuito de obter a prestação serviços publicitários.
Em segunda instância, no entanto, tanto o MP quanto o Judiciário entenderam que os empresários tinham responsabilidade sobre o jornal.
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